LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sábado, 29 de maio de 2010

Juliano



Este é o lindo Juliano, da minha amiga Paula Izabela: diretamente de uma terra que eu amo, o Cariri!

"Lá está ele, deitado, sonhando, ronronando e, ocasionalmente, mudando as patas de posição em um êxtase de prazer alcochoado. Parece a encarnação de todas as coisas macias, sedosas e aveludadas, uma composição sem arestas, um sonhador cuja filosofia é dormir e deixar dormir." (Hector Hugb Munro)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Atores de Rãmlet Soul são agredidos com a conivência e estímulo de policiais

O espetáculo Rãmlet Soul, que esteve em cartaz ao longo do mês de maio no Theatro José de Alencar, sofreu de violência física e verbal, nesta terça-feira (25/05), pouco depois das 18h, sob estímulo e conivência de PMs. Os atores Junior Barreira, Saymon Moraes e Sol Mouffer foram agredidos e o ator George Alexandre e o músico Saulo Raphael ameaçados durante a apresentação da primeira parte da peça, que ocorre na Praça José de Alencar.

Inicialmente, os PMs (de nomes Geraldo, França e Lacerda) abordaram os atores de modo truculento, abusivo e confrontador, alegando que não podiam estar na rua, interpretando seus papéis de michês, apenas de toalha, o que configuraria “atentado ao pudor” – nas seis apresentações no TJA e dez apresentações na Praia de Iracema, bem como em sua participação em festivais, o espetáculo jamais teve problemas similares. Os policiais exigiram que os atores se retirassem da praça, onde a peça iniciava a penúltima apresentação desta temporada. Os atores reivindicaram por seu direito de trabalho em espaço público. Os PMs, cada vez mais agressivos, insistiram que aquilo não era trabalho, mas sim "sem-vergonhice”. Um deles, o mais velho, quando questionado pelo ator George Alexandre sobre sua postura, ameaçou-o com expressões do tipo: “não tenho medo de nada; eu nasci foi pra morrer”. O policial, abusando de suas atribuições e de sua função pública, foi aglomerando os transeuntes da praça em torno dos atores da peça, em mobilização contra o elenco (temos este registro em vídeo). Pouco depois, sob esse clima tenso, numa das cenas peça em que os michês, em triste paródia da vida real, são expulsos de seus pontos e correm acossados, um dos PMs, novamente o mais velho, insuflou transeuntes e deu a ordem contra o elenco: “mostra pra eles o que é teatro”. Armados de porretes e de facas, os agressores aplicaram socos, tapas e pontapés nos atores Junior Barreira e Saymon Morais. Dois outros atores da peça, Yasmin Elica e Jhon Jonas, presenciaram o momento em que o policial instigou tal agressão. A atriz da peça, Sol Mouffer, também próxima da confusão, em cena que carrega uma pedra na mão (parte do espetáculo já tantas vezes apresentada naquele espaço), foi agarrada pelo braço por um dos policiais, que, “pressupôs”que ela iria agredi-lo com o objeto. Finalmente, após a violência sofrida (sob ameaças de ser furado à faca pelos agressores), o ator Junior Barreira, ignorando que partira da polícia o comando para atacá-lo, procurou o referido efetivo policial para queixar-se do que aconteceu, e obteve esta resposta de um dos PMs: “Defender você? Não estou aqui pra lhe defender. Isto que você faz é uma baitolagem. Você mereceu". Situação que justificou as lágrimas do ator, abalado como outros artistas da peça que também sofreram agressão, incluindo o músico Saulo Raphael, que, por tentar proteger os atores da situação de perigo, fora “jurado” pelos agressores, em promessa de violência para a apresentação seguinte, nesta quarta-feira, dia 26/05. Fato que justificou que Rãmlet Soul encerrasse a temporada do TJA sob proteção de - outra - escolta policial, solicitada pela direção do teatro, num deplorável quadro de "polícia protegendo da polícia".

A “baitolagem” a que se referiu o pm instigador da agressão aos atores, e que, na sua visão, justifica tanta violência, faz parte de um espetáculo premiado nacionalmente, pela Funarte/Petrobras, bem como pela Prefeitura de Fortaleza, tendo obtido repercussão em dezenas de veículos de comunicação e que, apenas três dias antes, havia lotado o Porão do Theatro José de Alencar em plena meia-noite.

Rãmlet Soul é uma peça que procura se inserir no que a cidade é, de fato.
Será por isso que a polícia mandou bater?

Thiago Arrais
(diretor do RÃMLET SOUL)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Para não dizerem que não falei de cães



Para não dizerem que a exclusividade deste blog é dos gatos (além da breve aparição de uma papagaia), lembro que os cães também são bichos maravilhosos. Seu único defeito é serem submissos ao animal humano, que tantas vezes deixa de merecer essa entrega amorosa. Também tive os meus cães queridos, que hoje me acompanham na memória: o agitado Ralf, o puríssimo Tob e a tão doce Tulipa... Ainda tive a sorte de conhecer afetos caninos passageiros, em viagens. Nestas fotos, recordos dois deles: a simpática cadela Clarissa, guia do mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Portugal, e o fofinho branco, mascote do meu amigo Moacyr (tão desaparecido! Por onde andará?), meu anfitrião em Sampa, anos atrás.

domingo, 23 de maio de 2010

A fase sensível


Depois de um mês entregue aos prazeres do corpo e assombros da alma, resolvo lembrar que existem as necessidades do intelecto. Este fim de semana, pois, foi dedicado a filmes e livros (com uma breve incursão pelo terreno das artes plásticas, em visita ao grande Weaver, para lhe comprar duas telas e conversar sobre quadrinhos e grafites). Encerrei a sexta-feira com O segundo rosto, de Johhn Frankenheimer, trazendo Rock Hudson no papel principal. Desde a abertura, este filme da década de 1960 impressiona pela estética, oscilante entre um expressionismo à la O Gabinete do Dr. Caligari e um surrealismo com trabalho de perspectiva que lembra algumas imagens do De Chirico. Mas o enredo, acima de qualquer coisa, é muito bom. Talvez alguns momentos de diálogo pudessem ser menos monótonos – e fiquei com a sensação de que a construção do protagonista, em suas dúvidas existenciais, poderia ser mais convincente. Apesar disso, o final não poderia ser outro, e o diálogo com o livro de Pirandello é inevitável. Já separei O falecido Mattia Pascal, para relê-lo (e como é bom fazer releituras!).

Como havia terminado A suíte elefanta, do Paul Theroux (dedicando vários minutos para saborear o assombro da última novela, e sobretudo para analisar o terrível sentimento de prazer e identificação que o desfecho me trouxe), resolvi migrar do tema da Índia para a literatura italiana... e o Pirandello em reserva deve continuar esta trilha. O Léxico familiar, da Natalia Ginzbourg, está fazendo com que eu mergulhe um pouco no universo biográfico alheio. Assim como nos quadrinhistas citados na conversa com o Weaver (Crumb, J. Carlos Fernandes, Dash Shaw, Chris Ware, David B.), percebo na Natalia esta tendência confessional-crítica, que é tão diferente da confessional-piegas ou da confessional-vítima. Talvez apenas a primeira modalidade – escorregadia, embora – possa atingir o nível de arte e, quando o faz, promove tanta identificação que parece absurdo que histórias tão pessoais ganhem aceitação tão grande.

Voltando aos filmes, no sábado vi Patch Adams, inspirada por uma entrevista que li na revista Planeta, com o médico que motivou o papel do Robin Williams. O verdadeiro Patch criticou, naturalmente, a distorção hollywoodiana que o cinema fez de sua vida, mudando papeis e fatos para agradar às massas. Concessões feitas à diferença que a realidade sempre trará, em relação à transfiguração estética, gostei do filme e recomendo, não só como boa história de vida (de novo a biografia alheia, que tanto nos atrai...), mas principalmente como diversão. Afinal, o humor é tão importante quanto o amor – já dizia o autêntico Patch.

Dr. Fantástico, do Kubrick, foi a terceira pedida da noite, e confesso que pensei que gostaria mais deste filme tão comentado. Talvez tenha ficado meio datado por algum motivo, não sei: não pela circunstância histórica essencialmente, pois se penso num livro como Armagedom em retrospecto, do Kurt Vonnegut, vejo que esta é também uma obra presa a circunstâncias de época – mas que consegue ser eterna.

O domingo me trouxe a história de O visitante, com Richard Jenkins: um filme com atmosfera despretensiosa, mas que comove e envolve. À semelhança do Patch Adams, traz aquele sentimento bom de ajudar, de estar perto das pessoas, arrancar um abraço ou sorriso. Sim, eu sei que isso pode parecer bobo – e normalmente não perdoo essas tendências melosas. Mas o que fazer, se estou numa fase à flor da pele? Isso ainda é conseqüência do Nunta muta, fantástico filme romeno que vi há alguns dias, numa encantada e praticamente vazia sala do cinema no Dragão...

sábado, 22 de maio de 2010

Outros gatos



Mais duas imagens para a gente ficar pensando na simplicidade da beleza: o saudoso branquinho Steve e o sensualíssimo Nino. Obrigada à amiga Margleice, pelo presente destas fotografias!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O intruso denunciado

Por que não paras, relógio? Não me faças padecer... Cantava um conhecido do poeta Luiz Teixeira, amigo meu; assim ele me contou. E foi uma amiga escritora, Tércia Montenegro, quem denunciou em jornalescas, portanto diárias páginas esse intruso, segundo ela, o mais antipático dos pertences a nós impostos: Provavelmente a infância acaba no momento em que se aprende as horas. (...) Instalar a noção abstrata (e absurda) de que cada espaço entre um risco e outro representa cinco minutos força um amadurecimento repentino.

Tão longe estando, aqui em Nantes, me alcança a presença dos meus pares nas Letras... E graças à Literatura, não padeço, posto que deposto não tomba o relógio – nem o calendário. Não estando à altura deles, tampouco ao alcance dos seus braços, resta-me o que desde sempre me resta, o fio das linhas com que componho minha breve passagem por aqui. Vês, amiga, não és a única dramática... Vês, amigo, teu conhecido não estava sozinho a querer deter o Tempo.

O Tempo, mestre maior, tão severo que, diante dele, um a um caem todos os aprendizes... Assim seja, de outra maneira não seria. Ó Tempo, tende paciência conosco, tende paciência comigo – que olho tanto pro meu umbigo.

Desconfio, amigos, que não adianta essa adulação... O galope das horas atropela o espaço que separa a gente dos desencontros consigo. E eu não consigo outras trilhas que não sejam filhas da desesperança que me alcança, desprevenido talvez na saudade de minha gente, de gente assim, com o calor e o carinho de vocês.

Ah, refúgio meu, reino da Palavra, terra atemporal, momento sem lugar, aqui e agora sou todo teu. Fazei de mim o instrumento de Vossa melodia que desafia os dias... E no momento mesmo em que a noite me açoite, onde houver silêncio que eu leve um grão de Poesia, magrinha talvez, não se adia, alivia essa agonia sem perdão – de se saber de passagem na imensidão.

Foi-se com o Tempo a lucidez de minha pianista, grávida de mim um dia; foi-se com o Tempo a visão de meu mestre poliglota, senhor dos gens de mim que já havia; foi-se a música com que ela me animava, foi-se a leitura com que ele me acalentava; foi-se tudo com a foice do pêndulo que oscila e garimpa a ilusão que vacila frente à incógnita adiante...

Quisera rimassem melhor longevidade e serenidade, não fosse a idade fogo a meio lume a incendiar o que vira fumo e pó. Quisera, quero ainda que, na intimidade, sensibilidade sobreviva na rima em seu sufixo.

E assim contemplo o calendário, o relógio, a ampulheta, o metrônomo em coro a reger a fluidez sem fim em que escôo e ecôo meus versos avessos à sombra, vermelhos e tão simples, mas amigos da luz.

Não serei eu o intruso de passagem, nas tripas do Tempo plantado, teimando em continuar nas parcas linhas que o passado abrigou, que o presente acolhe e o futuro adivinha?

Nada pedir, nada esperar – tudo acolher, agradecer e passar. Sabedoria intangível, dirão vocês, eu sei, eu pressinto. Eu sinto que estas poucas sílabas são sinos a soar sem ciência do que será. Queiram me perdoar, eu preciso de falar. São as palavras meu abrigo, são vocês, leitores amigos, os destinatários destas correspondências que hão de se apagar, contudo a ecoar, a ecoar, a ecoar...

Henrique Beltrão

Em Nantes, 19 de maio de 2010, tendo lido “O Intruso da Casa”, de Tércia e com saudades dela e de Luiz, o poeta que cura.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A loura



Essa é a loura, a verdinha de estimação da minha amiga e orientanda Tati. Toda temperamental e cheia de histórias, a mim parece que a loura só tem um defeitinho: o seu terrível medo de gatos, que a põe gritando diante da visão de um simples bichano de dois meses.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O intruso da casa

Um tortuoso hábito de reflexões me pôs a pensar nos objetos que detestamos, mas que por alguma razão somos obrigados a possuir. Pois, de todos os pertences impostos, o mais antipático talvez seja o relógio.

Provavelmente a infância acaba no momento em que se aprende as horas. Na mais tenra idade, uma criança tem a liberdade de acordar pela manhã sabendo apenas isso: que é manhã. Não precisa, como os adultos, saber que são 6h15, que é preciso tomar o café durante 3 minutos, depois um banho de, no máximo, 10 minutos, para perder sabe-se lá quanto tempo rumo a um destino previamente agendado.

Argumentem que a culpa não é dos relógios, mas do sistema de obrigações que nos força a atividades cronometradas. Esse raciocínio com certeza é lógico, mas não me convence. Para mim, o instante em que se posta um filho diante do grande relógio da sala, a lhe ensinar os mistérios do tempo, é decisivo. Instalar a noção abstrata (e absurda) de que cada espaço entre um risco e outro representa cinco minutos, força um amadurecimento repentino. Algo interrompe todo o fluxo imaginário que permitia à criança associar aquele instrumento com um círculo contendo dois bracinhos, rascunho de boneco ou brinquedo secreto.

A perda desse potencial imaginativo ocorre em paralelo com uma redução do próprio conceito de “dia”. Se antes esse período significava uma passagem suave entre as palavras “manhã”, “tarde” e “noite”, depois do aprendizado a criança resume o dia em números de acordo com as horas. Viver regulado por algarismos, e não mais por imagens, é a grande perda nesse processo. O abandono da infância acontece com essa aceitação do tempo como algo calculável. No instante em que negamos as outras possibilidades – tão mais belas e criativas – para sentir a passagem de uma existência, viramos coisas previsíveis e funcionais, tão monótonas quanto um tic-tac.

Tive dificuldade em aprender as horas. Talvez já adivinhasse que esse tipo de iniciação me roubaria a inocência. Até os 11, 12 anos, tinha de usar relógio digital, para evitar o vexame, se alguém me perguntasse o horário. E mesmo assim, usava com má vontade aquela pulseira – sentia o seu caráter de algema: o tempo me carregava pela mão, me obrigava a seguir a trilha dele. Por isso é que, ainda hoje, a primeira providência que tomo quando chego em casa é me soltar do relógio de pulso, para sentir as batidas cardíacas liberadas.

Sim, admito que sou um pouco dramática. Reconhecer essa característica me faz flexível, e acabo seguindo as velhas convenções. Embora não concorde com a escravização que o tempo – assim representado por um mero objeto – ordena, obedeço a ela, chegando pontualmente a meus compromissos. Mas em casa, território que considero único, tenho três relógios, e cada qual indica um horário um pouco diferente do outro. Para confundi-los, gosto de atrasar a hora de um, adiantar a do outro... É o meu modo de mostrar (para eles e para mim mesma) que não sou totalmente submissa e conheço também outros tipos de tempo.

Tércia Montenegro (para a coluna Opinião, do jornal O Povo de 19/05/2010)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Foto da fera


Em recente passeio do Percursos Urbanos, com tema de literatura fantástica (e sob coordenação do meu amigo Carlos Vaz), enveredamos pelo cemitério S. João Batista, onde - dentre muitas outras cenas interessantes - fotografei esta ferinha siamesa, tão linda quanto irritada!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Agenda de Teatro

Amanhã, no XIV FESFORT, no Teatro da Praia (Rua José Avelino, 662 – Praia de Iracema), haverá o esquete Fábula, do meu amigo Alan Mendonça, com direção de Cleydson Catarina e atuação de Tatiana Rocha e Flávio Gonçalves. O Festival começa às 19h.
Dias 12, 13, 18, 25 e 26 de maio, no Teatro José de Alencar, estará em nova temporada Rãmlet Soul, dirigido pelo também muito querido e talentoso Thiago Arrais.
Finalmente, toda quinta, no Sesc Iracema, Engenharia erótica - Fábrica de Travestis, do Silvero Pereira, às 20h. Vale a pena demais!


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sarau na Filosofia


Hoje tenho encontro no Sarau da Filosofia, da UFC. Quem puder, apareça por lá! O tema-mote é a obra de Rachel de Queiroz, mas ninguém nos impede de divagar...

domingo, 9 de maio de 2010

Galeano

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por encontrar-nos e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.

(O Livro dos Abraços, p.95)

sábado, 8 de maio de 2010

A Suíte Elefanta, de Paul Theroux

- O que é o mundo, então? - perguntou Dwight e percebeu, ao ouvir a reverência no próprio tom de voz, que havia se transformado em um aluno, um iniciado. Havia aberto mão da própria vontade, e estava feliz.
- É uma estrela cadente - disse o velho. - É uma bolha em um regato. Uma chama ao vento. Gelo sob o sol. Um relâmpago em uma nuvem de verão.

(trecho da pág.200)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Wislawa


APONTAMENTO

Vida - o único meio
de se revestir de folhagem,
recuperar o fôlego na areia,
levantar voo batendo as asas;

ser cão
ou afagar-lhe o pêlo quente;

distinguir a dor
de tudo o que ela não é;

caber nos acontecimentos,
perder-se nas paisagens,
procurar o mais ínfimo dos enganos.

Ocasião excepcional
para, por um instante, recordar
o que se conversou
junto de um candeeiro apagado;

pelo menos uma vez,
tropeçar na pedra,
molhar-se na chuva,
perder as chaves na relva.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Lendo no trânsito

Embora seja indiscutível que a melhor posição para ler é a horizontal (talvez por ser a preferida postura para o descanso e o amor), há tempos comecei a experimentar variantes. Graças às obrigações que sufocam o dia-a-dia, passei a ler também em pé, por ocasião de qualquer fila de atendimento, ou sentada – na maior parte das vezes, no assento de motorista de meu carro.

Ler no trânsito pode sugerir algum tipo de infração, mas garanto que essa prática só acontece em paradas de semáforo, nunca em pleno ato de direção – e isso, não por falta de tentativas (tenho de confessar); é que se torna muito difícil equilibrar o livro na página correta e simultaneamente cuidar das marchas e da direção. Mesmo lamentando não ser Shiva para ter outro par de braços, os minutos que consigo nesta leitura dão uma satisfação incomparável. Além do status de “leitora em tempo integral”, único do qual realmente me orgulho, ler no trânsito tem sobre mim o efeito de uma estratégia educativa.

Uma educação para leitor voraz deveria começar assim. Para disciplinar os sôfregos, os inquietos que praticam compulsivamente a leitura dinâmica, e muitas vezes não por pressa, mas por simples ânsia de chegar à página final, surge um método infalível: o trânsito força o leitor a fragmentar o texto em parágrafos. Frases. Palavras. A ruptura do fluxo frenético de uma leitura traz silêncios necessários, pausas meditativas que, de outro modo, não aconteceriam. Obviamente, nem todo texto se adapta ao trânsito. Poemas curtos e contos são os gêneros ideais, que trazem a satisfação de algo concluído ao fim da viagem.

Alguém poderia argumentar que ler na espera de semáforos é ato perigoso para o motorista, que se distrai e não percebe a presença de assaltantes, por exemplo. Pois em meses de prática, nunca tive essa experiência. Ao contrário, sempre fui assaltada quando estava atentíssima – mas impotente para escapar. Acredito mesmo que hoje, se um ladrão se aproximasse de mim, ficaria tão chocado com a absurda cena de uma leitora-motorista que fugiria, de susto ou respeito.

Mas estou brincando: a situação de ler no trânsito não deve ser tão incomum assim, muito menos objeto de estranheza. Hoje em dia as pessoas fazem de tudo dentro do carro: trocam de roupa, acendem cigarros, dirigem bebendo refrigerantes ou retocando a maquiagem. Não se pode recriminar tais costumes, nestas distâncias tão alongadas por congestionamentos. Talvez o único particular da leitura, nesse contexto, seja o bizarro fenômeno de o motorista desejar que o próximo semáforo esteja fechado...

Tércia Montenegro (texto publicado na coluna Opinião, do jornal O Povo, em 05/05/2010)

domingo, 2 de maio de 2010

Minha programação na Semana de Humanidades



Nesta Semana de Humanidades da UFC, tenho algumas participações. No dia 4, à tarde, farei a comunicação intitulada O trágico e o literário, concentrada na obra do húngaro Imre Kértesz. Dia 5, às 18h30, lançarei Instruções para beijar e Rachel: o mundo por escrito, no Auditório da área II, do Centro de Humanidades. Para as manhãs de 5, 6 e 7 de maio (de 9h às 11h), está agendado o minicurso O discurso intratextual de António Lobo Antunes, em parceria com a Tatiana Sousa, colaboradora desta pesquisa lusitana.
Enquanto esses compromissos acontecem, a escrita e o estudo alternativo voltam à velha condição de estátua. Contemplo o recém-adquirido manual de russo, abro os arquivos do romance semiescrito e suspiro... quem sabe, na próxima semana?