LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Como afastar um leitor


COMO AFASTAR UM LEITOR

O fato de possuir uma coleção de livros em casa não me impede de frequentar bibliotecas, públicas ou particulares. Estas últimas pertencem a amigos, que geralmente me recebem com um misto de cortesia e cautela, embora eu jamais tenha deixado de devolver um livro sob empréstimo. Eu compreendo tal comportamento; também sou ciumenta e tenho obras que não entregaria nem sob tortura. O que me parece estranho é o mesmo princípio de posse egoísta aplicado a uma biblioteca pública.
Mas talvez eu esteja romantizando demais... As figuras antipáticas que já me atenderam em alguns desses locais não agem com zelo ou senso de preservação; é pura má vontade ou preguiça. Em certos casos, o próprio ambiente parece feito para afastar o leitor: estou me lembrando do equívoco arquitetônico que jogou para o quinto andar, de um prédio sem elevador, a sala da biblioteca numa escola onde estudei.
Como se não bastasse a prova física que se tinha de vencer para ali chegar, quando o aluno finalmente encontrava a porta com a tabuleta “Biblioteca”, via apenas uma série de mesas e cadeiras (todas vazias, claro) e, um pouco mais além, um nicho gradeado atrás do qual se escondiam poucas estantes magras. Ali ficava uma jovem sonolenta, que devia se distrair telefonando para todas as pessoas do mundo (na minha época de estudante, não existia internet). Quando o aluno pedia para entrar e escolher um livro, ela dizia que não era possível. Ninguém buscava os livros, a não ser a própria moça apática; ela devia anotar o título e achá-lo na prateleira, para depois preencher a ficha de empréstimo. Além do mais, é óbvio que não havia nada realmente interessante, de ficção ou poesia. “Temos somente obras didáticas”, ela me revelou – e foi a última ocasião em que subi aqueles lances de escada.
Em outra escola, ainda na minha adolescência, a biblioteca ficava no térreo, e o acesso aos livros (alguns, muito bons) existia de fato. Não puseram nenhuma mocinha despreparada como sentinela; a responsável era uma bibliotecária, profissional da área. Apesar de tudo isso, creio que a mulher não simpatizava comigo, talvez porque diariamente eu a perturbasse, pedindo novos títulos e prazos. Ela teve sua chance de vingança quando certo dia, no auge de uma crise alérgica, eu coloquei uma máscara para manipular uns livros velhos. “Você faz isso para chamar a atenção, é?” – ela praticamente gritou, quebrando a zona discreta que eu estava conseguindo manter. A partir daí, como o mal estava feito, assumi a máscara com orgulho, tão logo entrava na biblioteca – mas, no íntimo, sempre achei que aquele comentário revelava uma hostilidade, um desejo de afastar leitores.
É lógico que, em minhas andanças, encontrei ótimas bibliotecas, com funcionários sensíveis e respeitosos. Mas como a felicidade não deixa cicatrizes, acabo remoendo as piores experiências... Penso no quanto um leitor pode ser excluído, isolado como criatura estranha ou ameaçadora de uma ordem. E que ordem seria essa? A de manter os livros estreitos e imóveis, tão fechadinhos quanto os seus supostos guardiães? 


Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/06/20/noticiasjornalopiniao,2862357/como-afastar-um-leitor.shtml )








segunda-feira, 18 de junho de 2012

Matéria jornalística

Amigos,

Hoje saiu uma matéria de capa, no caderno Vida & Arte, do jornal O Povo, sobre a antologia alemã da editora Lettrétage, que vai publicar um conto meu por ocasião da Feira de Frankfurt, no ano que vem. Confiram abaixo:

LIteratura 18/06/2012

Tércia em Alemão

Cearense é uma dos 28 autores brasileiros que integram antologia a ser publicada na Feira do Livro de Frankfurt
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FCO FONTENELE

Uma antologia levou à outra, que levou à outra e a mais uma, até que chegou um convite da Alemanha. Assim foi com a autora cearense Tércia Montenegro. Após representar o Ceará na coletânea 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira (Record, 2004), ela integrou várias antologias de contos nos anos seguintes. Mas foi a participação na primeira seleta, com o conto “D. T”, que apresentou a literatura de Tércia à brasilianista, historiadora e tradutora alemã Marlen Eckl. “Gostei muito do conto dela e desde então acompanho a obra interessante de Tércia. Foi por isso que a convidei”, relata ela em entrevista concedida por email.

Marlen é a organizadora de uma antologia da literatura brasileira atual na qual 28 autores terão um de seus contos publicados na Alemanha, entre eles Tércia. O projeto partiu da editora da fundação Lettrétage, cujo objetivo “é promover a literatura alemã contemporânea, mas também com grande interesse e entusiasmo a de países cuja literatura jovem é menos conhecida aqui na Alemanha”, explica ela. Essa promoção, além das publicações, se dá por meio de saraus, lançamentos e mesas-redondas promovidas na sede da fundação em Berlim, a Casa de Literatura.

Um dos principais critérios para a escolha dos nomes, segundo Marlen, é o ineditismo desses autores na Alemanha. Outro é o fato de eles fazerem parte da nova leva da produção literária brasileira, já que a fundação se dedica a autores contemporâneos – alemães e de outras nacionalidades. De acordo com a organizadora, “parte dos contos é inédita, parte já foi publicado no Brasil, mas nunca em alemão”.

Caso de Tércia, que comemora a primeira tradução de um texto seu. “Semelhante ao mar”, último conto de O tempo em estado sólido (Grua, 2012), mais recente livro da autora, foi escolhido em conjunto entre Tércia e a organizadora da coletânea. A história narra o retorno de Lídia à pequena Vilares, para o velório do pai. O encontro com a cidade acaba levando a personagem a revisitar o passado que abandonara e a trama desemboca num final inesperado.

Sem tema específico e ainda não titulada, a antologia aposta na diversidade de assuntos e estilos trazida por autores de quase todas as regiões do País – a seleção passa por nomes do Ceará ao Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro ao Mato Grosso. “Assim, os contos da antologia, além de dar aos leitores alemães uma impressão profunda e rica da literatura brasileira contemporânea, também gerarão um retrato especial do Brasil de hoje”, afirma Marlen.

Para Tércia, integrar o projeto “é uma maravilha”, tanto pela oportunidade de divulgar sua literatura noutro país como pelo lançamento da obra na Feira de Frankfurt em 2013. Será a segunda edição do evento dedicada a homenagear o Brasil, a primeira foi em 1994. “É um evento tradicionalmente associado à qualidade artística; assim, os motivos para a comemoração são grandes”, diz a autora.

Intercâmbio
Durante o segundo semestre de 2013 e o primeiro de 2014 será celebrado o “Ano da Alemanha no Brasil” e como convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt no próximo ano, o País começa a intensificar a relação com o parceiro germânico no âmbito cultural. Para Tércia, o destaque brasileiro no evento editorial considerado o mais importante do mundo sinaliza uma aposta na arte literária nacional. “Eu fico muito feliz com a possibilidade de que o Brasil esteja transpondo, de maneira já bem firme, as fronteiras de comunicação artística”, comemora.

Do lado alemão, segundo Marlen, o interesse pela literatura brasileira já está aumentando por causa da Feira. Para ela, o evento deve ajudar a diminuir uma das grandes dificuldades da relação com o mercado literário nacional: a promoção dos autores brasileiros para as editoras estrangeiras. “Pois além de algumas exceções, os clássicos brasileiros normalmente são desconhecidos em outros países”, afirma a organizadora.

Depois de lançada, a antologia de contos com o selo da Lettrétage será vendida em todos os países e cidades de língua alemã e estará disponível pela Internet. Além de Tércia, a lista inclui alguns dos jovens escritores que mais têm se destacado no cenário literário, como Paloma Vidal e André de Leones, que estarão na Flip deste ano, e os gaúchos Carol Bensimon e Antônio Xerxenesky.
 
Saiba Mais 

Marlen Eckl, organizadora da antologia, passou parte da infância em São Paulo e Porto Alegre e desde então cultiva uma relação de proximidade com o Brasil por meio da literatura. Além da tese de mestrado que analisa as obras do escritor gaúcho Moacyr Sciliar, ela acompanha de perto a produção brasileira atual vindo regularmente ao país (pelo menos uma vez por ano).
Raphaelle Batista raphaellebatista@opovo.com.b

sábado, 16 de junho de 2012

Festival Internacional de Artes Cênicas do Ceará

Amigos,

Até o dia 24 estará acontecendo o Festival Internacional de Artes Cênicas do Ceará, que promete muitíssimas coisas boas! Confiram a programação dos espetáculos no site do Theatro José de Alencar.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Mark Jenkins

Olhe as imagens abaixo e se espante. É isso que eu considero como intervenção urbana verdadeiramente artística, com uma atmosfera de surpresa, poesia e bom humor. O artista, Mark Jenkins, põe esculturas na rua e quebra a rotina dos passantes - de alguns, pelo menos, que ainda não ficaram autômatos a ponto de ignorarem o que está em redor. Estas são poucas imagens; há muitas outras, incríveis, no site do artista:
http://www.xmarkjenkinsx.com/outside.html
Vejam lá a série das esculturas em gelo e em plástico bolha. Confiram também as ótimas ideias da série "Interiores".











quarta-feira, 13 de junho de 2012

Tristeza

   A pedido da amiga Paula, deixo aqui esta homenagem a um lindo gato.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Amanhã...

                                   É dia dos namorados!


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Temperamento arquitetônico

Eu sempre me deliciei com as curvas impossíveis de Gaudí, essa arquitetura que parece elástica, num novo tipo de barroquismo que ainda é contorsão, mas agora não sugere angústia e sim, brincadeira para o olhar. Pois estava hoje estudando um pouco sobre ele, e eis que vejo - textualmente admitida - a relação entre o modernismo catalão de Gaudí e a tendência art nouveau que mais de uma década atrás fez com que eu me apaixonasse pelos arabescos de Lautrec e pelos traços-em-mosaico de Klimt... Afinal, tudo parece tão óbvio! A mesma linguagem do trencadis, com as cerâmicas coloridas quebradas, que parecem bordar figuras lúdicas, perpassa (numa influência explícita, ainda que através de outros materiais) a obra desses autores. Todos são adeptos do círculo, das espirais e das parábolas - e com isso eu constato que a minha paixão é marca de um temperamento pró-redondo, se assim se pode dizer. Tudo o que me agrada, espacialmente, é curvilíneo ou sinuoso. Não suporto, por exemplo, estradas retas: parecem tão econômicas, tão mesquinhas, em sua direção! Ao contrário, vejo montanhas, mares ou qualquer coisa que sugere ondulação como bem-vinda, dentro de uma paisagem. A curva, em si, já é um ato de beleza. Para mim, seria uma tortura viver num local cheio de móveis com arestas, quadrados ou retângulos, caixinhas com seus limites muito certos. Às vezes, quando viajo, sem querer me hospedo num hotel que tem esse tipo de quarto, perfeitamente geométrico. Tenho vontade de encher o lugar com balões de aniversário, para ver se a atmosfera fica mais leve!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A vida secreta

A VIDA SECRETA

         Todo mundo deveria ter uma vida secreta. Escrevo esta frase inicial e já pressinto o leitor alerta, disposto a se eriçar. Pois a ideia de uma rotina misteriosa geralmente é sinal de vícios, manias ou tendências inconfessáveis. Quem nunca conheceu um perfeito cidadão, que na surdina carrega certo impulso estranho? O hábito secreto pode ser inofensivo, porém vergonhoso – como no caso daquela senhora idosa que era conhecida por suas proezas culinárias, mas também gostava de guardar, na despensa, pilhas e pilhas de revistas pornográficas.
É óbvio que não estou defendendo mistérios criminais, tendências mortíferas, taras, nada disso. Uma vida secreta pode se concretizar com um simples hobby ou com uma atividade paralela à rotina profissional, algo que fuja das ações obrigatórias. Imaginem, por exemplo, que aquele porteiro do clube esportivo não é apenas um encarregado de fiscalizar o vaivém de pessoas e carros. À noite, quando chega em casa, ele se dedica a compor sambas e modinhas, canções sem compromisso e quase condenadas a permanecerem incógnitas. Talvez ele precise de talento, mas não é isso o que importa: o seu exercício musical destina-se a ventilar a vida, não é uma estratégia para se tornar rico.
Aquele outro rapaz, que abriu um pequeno comércio ao lado do clube, também escapa do tédio nas horas vagas: dedica-se ao aeromodelismo com uma paixão de criança. E agora, pela calçada, passa uma jovem com todo o jeito de universitária. Ela não somente cumpre tarefas de estudo e se diverte com os amigos de sua idade; nos fins de semana, arrecada fundos para um bazar e envia auxílio aos albinos da Tanzânia.
         Em todos esses “desvios” da mesmice, existe um elemento mágico que faz a pessoa se sentir diferente, especial. Ela adota prazeres que não se compartilham, coisas que parecem ridículas ou inúteis para o juízo alheio. Sobretudo, a pessoa faz suas escolhas por motivação íntima, sem seguir recomendações, campanhas ou projetos de ninguém. A satisfação está em realizar o ato; não é preciso ostentá-lo.
         Em tempos de massificação virtual, ganhar plateia, de qualquer tipo que seja, virou exigência – daí porque uma vida com lados secretos sugere transgressão ou imoralidade. Mas, sob tal argumento, esconde-se o perigo do controle sobre o gesto livre. Que eu saiba, nenhuma ditadura conseguiu informações com tanta minúcia como fazem certos ambientes virtuais – e (o que é mais grave) o próprio usuário deseja ser seguido, vigiado. Para esses reféns da autoconfissão e do aplauso, ter uma hora solitária – ou uma vida secreta – pode ser a única chance de encontrar a individualidade...

                      Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/06/06/noticiasjornalopiniao,2853391/a-vida-secreta.shtml)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O tempo na Literatura sem Fronteiras

O escritor e crítico literário Nilto Maciel acaba de publicar um detalhado estudo sobre meu livro O tempo em estado sólido. Pode ser conferido no blog http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/2012/06/tercia-montenegro-e-o-estado-solido-do.html#more

Os milagres

Uma semana após o provocativo convite para que, inspiradas no texto de Stendhal, as pessoas me contassem os seus desejos de milagres, recebi 32 mensagens e creio que já é tempo de fazer um "balanço" das ideias mais interessantes (se você ainda está perdido com as referências, leia a postagem "Conte o seu milagre", logo abaixo, e veja do que se trata).
O repertório de respostas foi, em geral, excelente, com desejos tão justificáveis quanto impossíveis. Algumas, entretanto, revelam muito da intimidade de seus autores, de modo que prefiro não expô-los. Dentre as demais, destaco as cinco melhores, e agradeço a participação de todos!

OS MILAGRES MAIS NECESSÁRIOS

1) God, conceda-me o privilégio da transparência, ou invisibilidade, ao menos uma vez por semana. Juro que não cometerei nenhum crime, quando estiver assim disfarçado. Tampouco aproveitarei para bisbilhotar a intimidade alheia. Eu apenas quero sentir como é virar vento e não usar roupas, sem precisar viajar para Tambaba. (Matias Pascal)

2) Quero fazer um pacto com o diabo e conquistar mil privilégios - desde que possa, depois, dar-lhe um calote e continuar com a minha alma intacta! (Alexandre Brandão)

3) Desejo que todos os políticos desonestos sejam acometidos por gagueiras e falsetes, na hora de fazer discursos. Que enxames de libélulas furiosas carreguem suas cédulas e talões de cheque para o oceano, e que seus cartões de crédito derretam como sorvete em pleno verão. (Mariazinha)

4) Ao menos uma vez por ano (digamos, no Réveillon), quero que todos os poemas dos pseudopoetas podres que habitam esta cidade entrem em combustão espontânea. Os textos que não estiverem impressos deverão desaparecer do computador, levados por um vírus feito para esta finalidade. O expurgo afetará residências, livrarias e  bancas de revista e, no dia seguinte, o grande monte de cinzas simplesmente desaparecerá, assim como todo o lixo de hospitais e material radioativo que existir no planeta. (Absalão Absalão)

5) Ah, como seria bom se ao menos uma vez por mês o cardápio de todo dia se transmutasse numa refeição exótica! Assim, num piscar de olhos, com um garfo mágico, eu poderia transformar qualquer alimento num prato típico de outro país. Obviamente, a refeição viria acompanhada de um folheto explicativo, com a história do prato e suas curiosidades... Gastronomia é cultura! (Guawa Arbuz)