LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Javier, Javier

Estou acabando de ler Os enamoramentos, do Javier Marías. Fiz uma pausa nos russos porque não resisti a esse romance do autor que, para mim, é o que há de melhor na prosa em língua espanhola da atualidade. Entretanto, devo dizer que o livro me decepcionou um pouco. Estava acostumada à qualidade de obras como Quando fui mortal, Coração tão branco e Amanhã, na batalha, pensa em mim - histórias que sempre me faziam sair de sua experiência com aquele embevecimento de admiração pelo arranjo, pelas soluções narrativas e, sobretudo, pela capacidade reflexiva. Este último ponto talvez seja o único que permanece íntegro n'Os enamoramentos, e afinal é o que nos faz reconhecer o estilo de Javier Marías, que tem esse hábito de paralisar a ação para fazer incursões digressivas interessantes - no que lembra, às vezes, José Saramago e Villa-Matas (embora este tenha certa desvantagem estética). No restante, porém, o romance não me convence. Tive a sensação de que o início, quando a protagonista se apresenta como funcionária de uma editora e passa a descrever os autores como caricaturas maníacas, nada mais é do que uma espécie de vingança ou recado do escritor para os seus pares. Não que eles não mereçam a crítica, mas achei que ela entrou de maneira forçada, no livro. Além disso, existe o grave problema de que as vozes da narrativa são todas iguais; personagens os mais diversos caem em reflexões idênticas, usando as mesmas palavras, inclusive. Essa "preguiça" de especificar os temperamentos das figuras literárias acaba explicitando demais o próprio autor, e talvez não por acaso um dos personagens se chame Javier, e a protagonista, Maria. Conhecendo os outros livros deste espanhol, sei que a presença autobiográfica faz parte de seus enredos (e isso, aliás, nunca foi um defeito). Mas a monofonia desse romance não me parece uma estratégia e, sim, uma carência.
Ainda tenho por ler, em minhas estantes, a trilogia Teu rosto amanhã. Espero que ela me resgate um antigo Javier Marías, mais cuidadoso com suas estruturas literárias.

Um comentário:

  1. Tércia, compartilho com você essas identificações de supostas fragilidades em Os Enamoramentos, ou, antes, compartilhava à medida que avançava na leitura desse romance. Fiz duas resenhas sobre Marías em meu blog, inclusive de Seu Rosto Amanhã (que te resgatará, com certeza), e há dias tento escrever uma para Enamoramentos mas me vejo empacado. Isso porque, aos poucos, me dou conta que este é mais um prodígio do espanhol, sendo carregado de interpretações sutis que vão desde o mal, a perda de significados concretos do amor na sociedade moderna (daí esse léxico estranho do título, que revela frieza, distanciamento; um quase neologismo para descrever a paixão desproteinada que admite a morte como aquisição de um fetiche vazio). Acho mesmo que este é um dos grandes livros de Marías, no qual ele mostrou perfeito domínio da personagem, da voz feminina. Me fez lembrar dos principais livros de Conrad, daí a evidente monotonia dos monólgos da obra, com fins voluntários de acentuar através da monocromia a ausência de grandes sentimentos da sociedade atual. Aliás, a crítica maior aos escritores vai de encontro ao próprio Marías, quando fala sobre a excentricidade dos autores que ainda escrevem em máquinas datilográficas, etc.

    Sua resenha foi muito instrutiva, e é um prazer ler sobre Marías.

    Forte abraço.

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