LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Carnaval na Ucrânia


CARNAVAL NA UCRÂNIA

             O amigo Urik pensou que eu tinha sido vítima de um sequestro, quando contei que estive em Prudentópolis, no feriado. Ao contrário, viajei por espontânea vontade – garanti – e não poderia desejar um carnaval melhor, justamente por não haver qualquer espírito carnavalesco no interior do Paraná. Escolhi Prudentópolis tão logo soube que 81% dos imigrantes ucranianos que vieram para o nosso país se estabeleceram lá: minha paixão pela cultura eslava se eriçou, com a possibilidade de visitar igrejas bizantinas. Em pleno carnaval, eu trocaria o som de forró e axé por missas cantadas no ritual de São Crisóstomo; substituiria cerveja ou patinhas de caranguejo pela degustação de perohê, borstch e holopti.
             Embarquei para a “terra dos pinheirais” cheia de expectativas – e não me frustrei. Cada detalhe da paisagem, repleta de monjoleiros num terreno ondulado a perder de vista, era motivo de êxtase. As pessoas também – com o seu jeito simples e educado, de rosto muito branco e olhos claros – me fizeram sentir acolhida. “Mas veio de tão longe, fazer o quê?” – perguntavam, com certa vergonha. Quando eu respondia que era escritora, todos ficavam solícitos, emprestando livros, mostrando fotos, documentos. D. Meroslawa Krevei, curadora do Museu do Milênio, transportou-me a 1896, quando chegaram as carroças de Henrique Kremmer, trazendo as primeiras levas de imigrantes eslavos. Em Prudentópolis, eles introduziram as casas de madeira, com lambrequins nas platibandas. Trouxeram o seu bordado típico, seus teares, sua música (com os banduristas, que ainda hoje tocam em festas) e seu idioma que – ai! – durante a época de “nacionalização” imposta por Vargas, ficou proibido. Mas ainda assim os descendentes da Ucrânia tentaram salvar a presença de sua língua no Brasil – e os padres de São Josafat, para burlar a fiscalização (que exigia missas em português), faziam o sermão de joelhos, voltados para o altar.
            A Igreja Católica Ucraniana incorporou muitos rituais populares pré-cristãos, como a manufatura de pêssankas (ou pisankas, para os poloneses). Do verbo “pessaty”, que significa “escrever”, nasceu o nome dessa pintura delicadíssima, feita na casca de ovos. Pude conhecer a artesã Vera Daciuk, que me mostrou o processo mágico de primeiro retirar clara e gema por um orifício minúsculo, feito com uma seringa. Depois, o ovo (de galinha, de codorna ou até mesmo de avestruz!) é pintado com cera de abelha em bico de pena aquecido por uma vela, antes de ser repetidamente mergulhado em anelina (uma para cada cor). Na limpeza final, com vinagre, o colorido e os símbolos traçados surgem, como um milagre da arte desenhada num invólucro de vida.
            Meu amigo, que não perde jamais uma piada, viu-me cheia de entusiasmo, a falar simultaneamente em igrejas e ovos decorados, e saiu-se com essa: “Parece que nessa missa bizantina, em vez da homilia, eles fazem a omelete!” Foi um trocadilho que sintetiza, à perfeição, as impressões iniciais de quem descobre uma Ucrânia no Brasil...

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo - e infelizmente "editada" em seu último parágrafo...)












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