LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Saltos do Paraná





SALTOS DO PARANÁ

Prudentópolis não cabe numa crônica: é por isso que volto ao tema. Para além de suas belezas ucranianas, esta terra é conhecida pelas cachoeiras gigantes e pela festa nacional do feijão preto, em agosto. Como viajei no carnaval, deixei de conhecer a hiperbólica feijoada (que, dizem, já entrou nos recordes) – mas, em compensação, tirei um dia inteiro para andar pela zona rural. Avisei ao guia do meu interesse por igrejas bizantinas, incrustadas nas áreas agrícolas e faxinais. Óbvio, porém, que não fiquei imune aos encantos da paisagem.        
Aprendi a distinguir as cores das plantações de soja, café e fumo. “As folhas do fumo são amarelas; depois de colhido, o produto vai para a estufa até ficar seco e quebradiço. Em seguida, a empresa tabagista lhe acrescenta umas quinhentas substâncias cancerígenas e o prepara para a venda” – comentou o guia, enquanto acelerava o jipe. Estávamos a caminho do Salto São João, passando pelo povoado Galícia, com sua bela igreja de São Miguel em frente a uma casa de jardim colorido por hortênsias e crianças loiras.
Enchi meus olhos com outras flores, dálias, girassóis – e mais eucaliptos e pinheiros às margens do caminho. Rumo ao Salto São Sebastião, plantações de milho nas encostas íngremes deram origem à expressão “plantar com espingarda e colher com laço”, mostrando o esforço de semear em ângulos tão difíceis. Mas aquela era a Serra da Esperança, então tudo podia acontecer, inclusive o aparecimento da Igreja da Transfiguração de Nosso Senhor, redonda, com cinco cúpulas brilhando de luxo numa zona agrícola...
Estava chovendo, e a trilha que nos levava à principal atração, o Salto São Francisco, cobriu-se de lama. Eu me agarrava a galhos e pedras, tentando não voltar com uma fratura exposta. Em certa altura do trecho, usei um cajado como bengala, sentindo-me uma espécie de feiticeira e lembrando que Visconde de Taunay por ali passara em 1886, também debaixo de forte chuva. Tentava me motivar, pensando que o autor de Inocência avançara por 6 km a pé “em local muito escabroso e difícil”, conforme escreveu no livro Paisagens brasileiras.
Quando finalmente contemplei o Salto gigante, com quase duzentos metros de queda, senti o êxtase do viajante realizado. Num segundo, a neblina se desfez, abrindo a visão da chapada com seu véu de água interminável. Aí a natureza me disse coisas na linguagem da imensidão – que, ao contrário do que se pensa, é muito discreta e suave. 

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)



Um comentário:

  1. a imagem do visconde de taunay, o maratonista, debaixo de chuva vai nortear algum sonho meu nessa noite, aposto...

    ResponderExcluir