LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Queridos alunos

Todo final de semestre ou ano letivo, experimento a despedida. As férias chegam, com a ausência de tantas companhias, vozes, rostos que se fizeram familiares. Mesmo em encontros limitados por horários e ambientes, a imprevisibilidade sempre aconteceu – as boas surpresas das opiniões, dos argumentos, do brilhantismo de uns ou da dúvida de outros construíram o mosaico humano de cada turma, cada sala de aula.

O pretexto de um estudo acadêmico sobre arte, língua ou sociedade é meu trampolim para questões essenciais. O magistério vira um exercício de convivências, conhecimentos mútuos. Como professora, claro que organizo um programa didático e cumpro a rotina de avaliação, prazos etc – mas sei que isso é apenas o ritual, a superfície que sustenta minha verdadeira função de trocar aprendizados e experiências. Tantas vezes não me vejo como expectadora ou ouvinte de maravilhosos argumentos e testemunhos dos estudantes! Conviver com eles, no mínimo, traz a sensação positiva de um afeto silencioso, desse querer-bem formalizado pelas circunstâncias, mas nem por isso menos profundo.

O que me comove e atrai na condição do “ser aluno” é a sua permanente jovialidade. Não importa a faixa etária: quem se dispõe a aprender se reveste de um frescor, de um tipo de limpidez que só a curiosidade é capaz de criar. A disposição para lidar com o desconhecido é um ato de coragem, de atração vertiginosa; é um desejo de aventura que os não acomodados carregam pela vida inteira. Quem acha que já aprendeu tudo se fossilizou na própria limitação, abdicou de surpresas e espantos tão importantes para o ânimo que nos faz humanos. Por causa dessa característica, jamais renunciei a minha própria condição de aluna – papel que assumo no atual curso de italiano, nas aulas de ioga ou natação. Necessito lembrar a sensação de estar “do outro lado”; preciso manter o referencial do aprendiz, suas expectativas e interesses – mas, sobretudo, preciso mensurar tudo o que ainda não sei, para manter a humildade indispensável.

Meus alunos são objeto de admiração e respeito. Quando os conheço de modo mais próximo, numa relação que ultrapassa os corredores e se prolonga anos afora, constato a riqueza de cada mundo que um dia cruzou com o meu. Descubro neles a prática artística, pois muitos hoje são músicos, atores, dramaturgos ou escritores, além de profissionais com diversas outras sensibilidades. A felicidade de reencontrá-los para um cinema ou café, um espetáculo ou simples conversa é a realização daquilo que todo aluno em estado latente anuncia: a promessa de uma grande amizade. Alguns realmente tornam-se amigos, companheiros, pessoas queridas para além de toda diferença, e chegamos a um nível de cumplicidade tão aprimorado, que tempos depois até faz graça pensar que nos conhecemos em sala de aula.

Por essas voltas do destino sou levada a dizer que há, sim, profissões abençoadas – e ainda que o magistério seja desvalorizado, com todos os problemas que já estamos exaustos de repetir, esta é uma área que nos permite um ganho singular: o prêmio de conhecer muitas pessoas, que – benza Deus! – chegam para nos desacomodar e nos salvar da mesmice.


Tércia Montenegro (crônica publicada em 16/06/2010, na coluna Opínião, do jornal O Povo)

3 comentários:

  1. Que crônica tão linda! Revivi agora todo o processo de início de amizade hehe relembrando momentos das tercitas, risadas inesquecíveis e "dramas engraçadíssimos" (as kassandrices, as tercices KKKKKKKKKKKKK...)!

    Adorei ler sobre a jovialidade e a aventura com a qual nos deparamos com a sede de aprender. Foi nisso que mais pensei neste semestre, sabia? Quanto mais estudo, mais sinto a necessidade de aprofundamentos, de grupos de estudos, grupos de pesquisa. E a prática nos levará da condição de estudantes para eternos estudiosos hehehe

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  2. Que lindo!!!!
    Eu amo suas crônicas, sempre fico aqui babando. =) hahahah Assim como a Kaká, também lembrei de momentos das Tercitas. Ela falou desses "dramas engraçadíssimos" e eu lembrei logo daquele episódio no Café Literário lá no Dragão em que "Uma nova Cassandra surgia.." kkkkk Sem mais comentários. hahahaha Você lembra?

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  3. Tenho certeza de que aquela Cassandra era com C, pelo menos isso KKKKKKKKKKKKKK...

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