LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A cidade ideal


A CIDADE IDEAL

Nas recentes comemorações do aniversário de Fortaleza, vários temas ligados à cidade foram levantados neste jornal. Houve quem fizesse elogios a pessoas e paisagens, enquanto outros repisaram problemas sobre violência, hipocrisia política e maus hábitos. Ora, eu também pensei em escrever sobre a cidade – mas não esta, onde vivo desde sempre. Como ficcionista, quero apenas imaginar, sem pretensões didáticas. Não me interesso por modelos urbanos, nem saberia explicá-los. Minha única pretensão é fechar os olhos e me transferir, por um segundo, ao ambiente ideal.
Na cidade perfeita, haveria – claro – o mar. Mas não existiriam prédios, apenas casas: com jardins, quintais e hortas. À noite, o clima pediria vinho e agasalho. Eu ouviria uma igreja distante, tocando sinos de verdade (e não gravações por alto-falante). Todos os endereços teriam nomes poéticos: haveria a rua do Silêncio, a rua da Boa Brisa, a rua Alva... E também a avenida das Alvíssaras, o Beco das Orquídeas, a Travessa Amizade. As pessoas andariam calmamente, em trajetos com árvores antigas e preservadas.
Seriam vistos pouquíssimos carros, acionados em ocasiões muito raras: uma viagem, uma mudança ou transporte de pesada bagagem. Para se locomover, as pessoas usariam os próprios pés, as bicicletas ou os ônibus. E estes seriam especialmente conhecidos por suas pinturas artísticas – nada de cores padronizadas com as marcas da empresa! Cada linha de ônibus seria identificada pelo artista cuja obra traria exposta. Assim, os usuários se encontrariam numa parada e, após os cumprimentos de praxe, alguém perguntaria: “Sabe dizer se o Chagall já passou?” E o outro poderia responder: “Ainda não. Agorinha veio um Portinari, e o próximo deve ser um Xico da Silva, salvo engano.” Internamente, os ônibus também trariam um estímulo à arte, com algumas de suas janelas transformadas em paineis para expor desenhos ou gravuras selecionadas em concurso. A música tocada seria agradável, e todos poderiam relaxar – inclusive o motorista. 
Na cidade ideal, as crianças aprenderiam a tocar instrumentos com prazer. Ainda poderiam escolher atividades circenses, dança ou línguas estrangeiras – mas nunca por imposição da escola ou dos pais. Cada família espontaneamente buscaria a cultura, o esporte e a arte. Não seria necessário qualquer discurso de convencimento para que bibliotecas fossem tão frequentadas quanto clubes, teatros e praças. As pessoas saberiam que o crescimento pessoal é um direito – e aproveitariam cada oportunidade.
Luaus, piqueniques ou passeios de barco seriam comuns no lazer, além dos jogos ao ar livre, na companhia de animais. A televisão serviria como passatempo somente para quem estivesse acamado – e, mesmo assim, talvez o doente preferisse fazer palavras cruzadas... Na cidade ideal, existiria paz, beleza e contemplação. Não haveria turismo frenético nem ambições imobiliárias. Ali, a prosperidade ganharia outro significado.

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/04/25/noticiasjornalopiniao,2827270/a-cidade-ideal.shtml)

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