LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Estocolmo


ESTOCOLMO

            Não, esta não é outra crônica de viagens – embora eu deseje, claro, conhecer a “Veneza do Norte” e algum dia, quem sabe... Mas hoje o tema vem sugerido por um velho episódio policial: o Assalto de Norrmalmstorg. Em 1973, bandidos suecos mantiveram, durante seis dias, vários reféns num banco – e o resultado foi que, após a liberação, as vítimas se mostraram solidárias com os agressores, recusando-se a incriminá-los. Desde então, os psicólogos adotaram o termo “síndrome de Estocolmo” para validar um comportamento de identificação emocional que pode ser extremo.
            Recordo esses fatos por causa de amigos que me contam histórias curiosas. A tal síndrome surge em muitas delas, como um sinal de carência comovente. De que outra forma poderíamos entender a solidão de D. Matilde, uma senhora de 80 anos que foi esfaqueada na Beira-Mar por um menino e, ainda a caminho do hospital, mostrou-se interessada pelo destino do infrator? Ela citava aos paramédicos uma série de instituições de proteção à infância delinquente, enquanto eles tentavam estabilizar as hemorragias.
Mal abandonou os curativos cirúrgicos, D. Matilda procurou a polícia para saber o paradeiro do menino. Conseguiu adotá-lo após uma enorme burocracia, e pode-se dizer que viveu feliz com ele, até que o garoto voltasse às drogas e vendesse todos os eletrodomésticos da casa para gastar no vício. A velhinha não tinha condições financeiras de repor os objetos, então se acostumou a viver sem telefone, geladeira, fogão, rádio, TV e secador de cabelo – mas aí o menino, dizem que já “acostumado com as mordomias”, declarou que não havia sido adotado para morar num lugar sem máquina alguma e, sendo assim, voltava à rua, onde pelo menos era livre.
Mais um episódio de carência e solidão ocorreu no ano passado, quando uma brasileira em viagem foi sequestrada por um beduíno egípcio. Ela ignorou as motivações políticas do ato, para interpretá-lo de um modo lírico. Apaixonou-se pelo rosto moreno, o turbante claro, os muitos panos que cobriam aquele corpo masculino. Ficou profundamente desapontada quando o beduíno a soltou, após negociações diplomáticas. Para falar a verdade, ele teve de amarrá-la no deserto, para não ser seguido pela moça inconformada. Não foi, portanto, um sinal de crueldade, a forma como a brasileira foi descoberta, com pernas e braços atados. Dizem que até hoje a jovem pede para dormir assim, presa por cordas: ainda sonha que o beduíno vem buscá-la.
A síndrome de Estocolmo rende histórias de amor – nem todas fracassadas, como as que vimos aqui. Há casos em que agressor e vítima se completam numa relação indestrutível, apesar de doentia. Em homenagem a esses afetos estranhos, escolho uma trilha sonora adequada. Termino esta crônica ao som de Muse, com o impacto da sua “Stockholm Syndrome”: This is the last time I'll abandon you/ And this is the last time I'll forget you/I wish I could...

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo e disponível também no respectivo site)

2 comentários:

  1. intimamente creio que tal síndrome, quem sabe, há de me livrar (ou ser a cereja do meu bolo) quando o assunto é 'apaixonar-se pela pessoa errada'.

    ;)

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  2. Você é brilhante Tércia!!! Rsrsrs Só você mesmo pra me fazer rir e me entreter nessa madrugada tão silenciosa.

    Continue escrevendo...

    Um super abraço!

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