Todo final de semestre ou ano letivo, experimento a despedida. As férias chegam, com a ausência de tantas companhias, vozes, rostos que se fizeram familiares. Mesmo em encontros limitados por horários e ambientes, a imprevisibilidade sempre aconteceu – as boas surpresas das opiniões, dos argumentos, do brilhantismo de uns ou da dúvida de outros construíram o mosaico humano de cada turma, cada sala de aula.
O pretexto de um estudo acadêmico sobre arte, língua ou sociedade é meu trampolim para questões essenciais. O magistério vira um exercício de convivências, conhecimentos mútuos. Como professora, claro que organizo um programa didático e cumpro a rotina de avaliação, prazos etc – mas sei que isso é apenas o ritual, a superfície que sustenta minha verdadeira função de trocar aprendizados e experiências. Tantas vezes não me vejo como expectadora ou ouvinte de maravilhosos argumentos e testemunhos dos estudantes! Conviver com eles, no mínimo, traz a sensação positiva de um afeto silencioso, desse querer-bem formalizado pelas circunstâncias, mas nem por isso menos profundo.
O que me comove e atrai na condição do “ser aluno” é a sua permanente jovialidade. Não importa a faixa etária: quem se dispõe a aprender se reveste de um frescor, de um tipo de limpidez que só a curiosidade é capaz de criar. A disposição para lidar com o desconhecido é um ato de coragem, de atração vertiginosa; é um desejo de aventura que os não acomodados carregam pela vida inteira. Quem acha que já aprendeu tudo se fossilizou na própria limitação, abdicou de surpresas e espantos tão importantes para o ânimo que nos faz humanos. Por causa dessa característica, jamais renunciei a minha própria condição de aluna – papel que assumo no atual curso de italiano, nas aulas de ioga ou natação. Necessito lembrar a sensação de estar “do outro lado”; preciso manter o referencial do aprendiz, suas expectativas e interesses – mas, sobretudo, preciso mensurar tudo o que ainda não sei, para manter a humildade indispensável.
Meus alunos são objeto de admiração e respeito. Quando os conheço de modo mais próximo, numa relação que ultrapassa os corredores e se prolonga anos afora, constato a riqueza de cada mundo que um dia cruzou com o meu. Descubro neles a prática artística, pois muitos hoje são músicos, atores, dramaturgos ou escritores, além de profissionais com diversas outras sensibilidades. A felicidade de reencontrá-los para um cinema ou café, um espetáculo ou simples conversa é a realização daquilo que todo aluno em estado latente anuncia: a promessa de uma grande amizade. Alguns realmente tornam-se amigos, companheiros, pessoas queridas para além de toda diferença, e chegamos a um nível de cumplicidade tão aprimorado, que tempos depois até faz graça pensar que nos conhecemos em sala de aula.
Por essas voltas do destino sou levada a dizer que há, sim, profissões abençoadas – e ainda que o magistério seja desvalorizado, com todos os problemas que já estamos exaustos de repetir, esta é uma área que nos permite um ganho singular: o prêmio de conhecer muitas pessoas, que – benza Deus! – chegam para nos desacomodar e nos salvar da mesmice.
Tércia Montenegro (crônica publicada em 16/06/2010, na coluna Opínião, do jornal O Povo)
Que crônica tão linda! Revivi agora todo o processo de início de amizade hehe relembrando momentos das tercitas, risadas inesquecíveis e "dramas engraçadíssimos" (as kassandrices, as tercices KKKKKKKKKKKKK...)!
ResponderExcluirAdorei ler sobre a jovialidade e a aventura com a qual nos deparamos com a sede de aprender. Foi nisso que mais pensei neste semestre, sabia? Quanto mais estudo, mais sinto a necessidade de aprofundamentos, de grupos de estudos, grupos de pesquisa. E a prática nos levará da condição de estudantes para eternos estudiosos hehehe
Que lindo!!!!
ResponderExcluirEu amo suas crônicas, sempre fico aqui babando. =) hahahah Assim como a Kaká, também lembrei de momentos das Tercitas. Ela falou desses "dramas engraçadíssimos" e eu lembrei logo daquele episódio no Café Literário lá no Dragão em que "Uma nova Cassandra surgia.." kkkkk Sem mais comentários. hahahaha Você lembra?
Tenho certeza de que aquela Cassandra era com C, pelo menos isso KKKKKKKKKKKKKK...
ResponderExcluir