LIVROS E BICHOS
Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
O céu e as viagens
Provavelmente eu não me enquadro como típica viajante, já que levo comigo o desejo de voltar. Porém, às vezes quero crer que não sou uma simples turista à procura de roteiros e lembrancinhas exóticas. Observadora seria a classe mais fiel ao modo como me sinto. Entretanto, normalmente observa-se o que é novo, diferente. Em viagens, não é preciso ser curioso para aprender - as informações e peculiaridades vêm a todo instante: nos rostos, nas paisagens, na língua... Por isso, realizo melhor o exercício da observação em lugares que não são meus (parece que o hábito faz a gente reconhecer e não mais enxergar) e sinto-me feliz e útil para mim mesma quando posso me desligar da rotina.
Quando não estou viajando, recorro a alternativas artísticas, óbvio. Filmes são práticos (se forem de fato bons, despasteurizados dessa liga enjoativa de comédia universitária ou conspiração policial/terrorista) e tenho comentado vários por aqui, em parte para fortalecer minha memória em relação a eles. Nos últimos dias, revi um Bertolucci antigo, O céu que nos protege - belíssimo e delicado, com uma história que instiga a reflexão sobre o verdadeiro aventureiro, o viajante. Ora, ninguém menos que Paul Bowles poderia tê-la escrito - ele, que viveu em muitos países e absorveu sua violência e cultura para a alquimia literária. Lembro que seu conto "A presa delicada" é uma obra-prima que provoca um golpe no estômago (e também , como na história do filme, se passa no Saara).
Os personagens de Bowles não têm nada a perder; são desgarrados do mundo, caminham sob o peso de um fatalismo que nos persegue a todos - eles, porém, percebem isso. Têm noção de sua fragilidade perante a vida, de sua inconsciência. Por isso, são viajantes: não pensam em voltar porque sabem que não existe volta, e o tempo conduz a uma só direção. Nada de melancolia nessa verdade; apenas um jeito sábio de justificar o hedonismo (para quem considera a aventura um prazer, e não um incômodo). Afinal, precisamos sempre explicar à sociedade porque agimos assim ou assado - principalmente se nossa ação é inusitada ou incomum.
Se um dia eu sair de mochila nas costas por conta de uma reviravolta súbita, buscarei eum Bowles um fundamento filosófico que sossegue os espantados, um argumento que cale a boca dos piores medrosos, que são os que se apavoram por si e pelos outros.
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Não sei consigo comentar no post da pesquisa sobre os professores pouco frequentarem espaços culturais. Concordo com o que você escreveu. Mas acho também que passar uma tarde na praia pode ser até inspirador também... (é só o que eu acho, não tenho esse hábito). Ah, mas não estou com vontade de discorrer sobre esse assunto (rs), achei essa pesquisa tão "falta do que fazer".
ResponderExcluirBeijo,
K.
Ah, e isso do não mais enxergar e, sim, reconhecer me chamou atenção :)
ResponderExcluirGosto do poder de transformação. E gostei do que você escreveu aqui. Vou anotar o nome desse filme.