Por que não paras, relógio? Não me faças padecer... Cantava um conhecido do poeta Luiz Teixeira, amigo meu; assim ele me contou. E foi uma amiga escritora, Tércia Montenegro, quem denunciou em jornalescas, portanto diárias páginas esse intruso, segundo ela, o mais antipático dos pertences a nós impostos: Provavelmente a infância acaba no momento em que se aprende as horas. (...) Instalar a noção abstrata (e absurda) de que cada espaço entre um risco e outro representa cinco minutos força um amadurecimento repentino.
Tão longe estando, aqui em Nantes, me alcança a presença dos meus pares nas Letras... E graças à Literatura, não padeço, posto que deposto não tomba o relógio – nem o calendário. Não estando à altura deles, tampouco ao alcance dos seus braços, resta-me o que desde sempre me resta, o fio das linhas com que componho minha breve passagem por aqui. Vês, amiga, não és a única dramática... Vês, amigo, teu conhecido não estava sozinho a querer deter o Tempo.
O Tempo, mestre maior, tão severo que, diante dele, um a um caem todos os aprendizes... Assim seja, de outra maneira não seria. Ó Tempo, tende paciência conosco, tende paciência comigo – que olho tanto pro meu umbigo.
Desconfio, amigos, que não adianta essa adulação... O galope das horas atropela o espaço que separa a gente dos desencontros consigo. E eu não consigo outras trilhas que não sejam filhas da desesperança que me alcança, desprevenido talvez na saudade de minha gente, de gente assim, com o calor e o carinho de vocês.
Ah, refúgio meu, reino da Palavra, terra atemporal, momento sem lugar, aqui e agora sou todo teu. Fazei de mim o instrumento de Vossa melodia que desafia os dias... E no momento mesmo em que a noite me açoite, onde houver silêncio que eu leve um grão de Poesia, magrinha talvez, não se adia, alivia essa agonia sem perdão – de se saber de passagem na imensidão.
Foi-se com o Tempo a lucidez de minha pianista, grávida de mim um dia; foi-se com o Tempo a visão de meu mestre poliglota, senhor dos gens de mim que já havia; foi-se a música com que ela me animava, foi-se a leitura com que ele me acalentava; foi-se tudo com a foice do pêndulo que oscila e garimpa a ilusão que vacila frente à incógnita adiante...
Quisera rimassem melhor longevidade e serenidade, não fosse a idade fogo a meio lume a incendiar o que vira fumo e pó. Quisera, quero ainda que, na intimidade, sensibilidade sobreviva na rima em seu sufixo.
E assim contemplo o calendário, o relógio, a ampulheta, o metrônomo em coro a reger a fluidez sem fim em que escôo e ecôo meus versos avessos à sombra, vermelhos e tão simples, mas amigos da luz.
Não serei eu o intruso de passagem, nas tripas do Tempo plantado, teimando em continuar nas parcas linhas que o passado abrigou, que o presente acolhe e o futuro adivinha?
Nada pedir, nada esperar – tudo acolher, agradecer e passar. Sabedoria intangível, dirão vocês, eu sei, eu pressinto. Eu sinto que estas poucas sílabas são sinos a soar sem ciência do que será. Queiram me perdoar, eu preciso de falar. São as palavras meu abrigo, são vocês, leitores amigos, os destinatários destas correspondências que hão de se apagar, contudo a ecoar, a ecoar, a ecoar...
Henrique Beltrão
Em Nantes, 19 de maio de 2010, tendo lido “O Intruso da Casa”, de Tércia e com saudades dela e de Luiz, o poeta que cura.
Eis quem surge de Nantes, ou seria Dantes, o inesquecível professor de francês do curso de letras, o lendário, o autor da célebre frase ao entregar-me a última prova, no último contato "Quem dançou, dançou"! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
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