LIVROS E BICHOS
Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.
sexta-feira, 1 de abril de 2011
A língua absolvida
Estou lendo agora A língua absolvida, primeiro volume da trilogia autobiográfica de Elias Canetti. É meu primeiro contato com a obra deste autor, de quem antes apenas tinha ouvido falar. Sua narrativa é fluida, sem malabarismos verbais, com ótimas histórias. Também... pode-se dizer que ele foi um privilegiado, pois desde cedo seu aprendizado não encontrou limites. Aos dez anos de idade, já falava com fluência quatro línguas e tinha morado em três países. E isso não era uma exceção para o espírito da época! Creio que no começo do século XX, quando a bestialidade midiática ainda não tinha invadido as mentes, a inteligência era um algo incentivado na maioria dos ambientes. Hoje, ao contrário, parece que as pessoas só admitem ouvir chavões e obviedades. No próprio espaço escolar, é inimaginável que os alunos disputem conhecimentos, nos dias atuais. Querem, ao contrário, nivelar-se em modismos fúteis, e aqueles que demonstram maior sensibilidade ou raciocínio são logo excluídos como "CDFs" - um rótulo de carga pejorativa, quando na verdade a inteligência deveria ser louvada! Sinal dos tempos, talvez... Na época da infância de Canetti, ainda podemos ver uma sociedade que compete por enriquecimento cultural, e as crianças brincam com citações literárias, aprendem latim e hebraico, conhecem canções folclóricas e passeiam por cidades milenares, com consciência do território em que pisam.
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Entre as controvérsias que versam alguns sociólogos e historiadores da hodiernidade, sobre pós-modernidade ou modernidae líquida, supermodernidade e seus similares, existem consensos sobre aspectos perversos exercidos sobre o que se convencionou designar de quarto poder. Aqueles que vivenciaram os primeiros e segundos meados do século XX, devem-se lembrar que, mesmo quando por iniciativa de uma juventude boêmia e romântica, havia uma relativa aspiração ao que se figura hoje como a pessoa do intelectual. Literatos, universitários, pequenos jornais, a pequena imprensa de modo geral, estudantes secundaristas, oposicionistas políticos, artistas e o simples homem médio, algumas vezes, de forma geral, engordavam as fileiras dos hoje resistentes sebos e livraria de qualidade digna (ou seja, aquelas que, a priori, não fazem dos livros de auto-ajuda seu carro chefe de vendas). Modismos como o existencialismo, o niilismo, o socialismo, pacifismos, movimento hippie, beat, underground, anarquistas... Uma época em que o senso comum não campeava de forma tão soberana e hegemônica. Não se trata de saudosismo bucólico, mas a internet e os meios de comunicação de massa e para-as-massas, jornalecos, revistas e livros de fácil digestão, de grande veiculação e ligação com o grande capital, uma programação de tv aberta absolutamente boboca e empobrecedora, que servem a dominação cultural e econômica, ideológica, cujo discurso raso e biologizante, naturalizante, anti-humanista, anti-iluminista, endossa o que se repercute individualmente. Exceto a resistência de alguns núcleos, aqui em fortaleza, como círculos artísticos e universitários, a UECE e a UFC, temos nítida e empiracamente dados o fato do contra-humanismo. Nesse sentido, apenas as Artes, a experiência livresca, a Filosofia e o grande campo de Humanidades têm força e responsabilidade de, nos dizeres de Gramsci, fazer contra-hegemonia ao que Boaventura chama de pensamento indolente. Lembra-nos Dostoiévski: a arte salvará o mundo. Não menosprezo os aspectos positivos que possam vir a ter esses veículos, embora concorde com a autora do texto a que empresto comentário, ficando uma saudade idealizada de uma época em que jornais, revistas, cinemas, livrarias e cafés podiam ocupar lugar equilibrado na vida de uma boa parte de uma geração ida e lida, que considerava aquilo que os alemães chamam de geist, consciência em seu sentido mais humanista.
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