LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sustos de crônicas

Amigos,

Hoje saiu esta matéria, "Sustos de crônicas", no Vida & Arte, relativa à palestra (seguida de lançamento do meu livro Os Espantos) que farei logo mais, na UniChristus. Quem quiser ler, pode clicar em
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/02/18/noticiasjornalvidaearte,3007248/sustos-de-cronicas.shtml

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O que desaparece


O QUE DESAPARECE

            A Nova antologia do conto russo, recentemente publicada pela editora 34, sob organização de Bruno Barreto Gomide, traz muitas histórias que precisam ser lidas, por motivos vários – quando não pelo embevecimento, pela forte reflexão que contêm. Neste último caso, enquadra-se “Liompa”, de Iuri Oliécha: não é exatamente um conto perfeito em composição literária, mas consegue despertar pensamentos com impacto e consistência.
A história trata de um moribundo, um velho a quem sobrevêm delírios em meio aos fragmentos de lucidez. Num desses instantes, lê-se a respeito de como a doença proibiu coisas antes tão corriqueiras ao personagem – e então foi como se as coisas se tornassem fantasmas, sonhos de outra existência: “Num único dia desapareceram sua rua, seu trabalho, o correio, os cavalos. De súbito, o desaparecimento chegou bem perto dele: o corredor se esgueirou de seu poder e em seu próprio quarto, bem debaixo de seus olhos, cessou o significado do sobretudo, do ferrolho da porta, dos chinelos. Ele sabia: a morte, em seu caminho até ele, ia anulando as coisas.”
Pois não é mesmo assim? À medida que uma pessoa envelhece, as coisas vão desaparecendo para ela, vão se tornando abstrações ou meros nomes de objetivos inalcançáveis. Países estrangeiros, profissões diferentes, aventuras, o próprio emprego – tudo isso fica destinado aos demais, aos que ainda “são ativos” ou se arriscam, têm pouca idade e juízo. Talvez muitas dessas experiências não façam falta à maioria dos idosos. Creio até que eles podem se satisfazer (ou se conformar?) com uma rotina. Afinal, há projetos que a gente perde sem lamento, quando percebe que eram ilusões ou correspondiam infimamente ao que se idealizou. Mas é triste saber que numa determinada época os planos se tornam impossíveis, desaparecem da perspectiva. E o que desaparece só aumenta, se é possível dizer isso. Com a longevidade ou a doença, o mundo se reduz, cabe num quarto. As ruas não são vistas; logo, parecem não existir. As roupas perdem a utilidade, os assuntos ficam repetitivos, os rostos novos já não surgem.
Tenho um amigo cujo pai é quase centenário e praticamente perdeu todos os prazeres sensitivos, exceto beber água, bem gelada. O resto das atividades – comer, banhar-se, ler algo, andar (sempre com assistência) – ficou doloroso ou cansativo demais. Beber água é seu único gesto de alegria pura, satisfação e liberdade. Penso nesse homem condenado a ver o mundo desaparecer, enquanto seu próprio corpo prepara também um afastamento, lentamente vai minguando as chances para si. A única coisa que deve impedi-lo de ofender a vida como um processo cruel, é o seu passado. Ele tem a possibilidade de dizer, em relação ao que deseja: eu já fiz isso – ainda que por um tempo mínimo, comparado ao que queria.
            É esse o projeto de velhice que cada um deveria ter: a construção de um rico passado. Se não se pode aprisionar o tempo, que ao menos ele seja gasto ao máximo, antes que desapareça.

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também no site.)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Autobiografia do Chesterton


 Desde o ano passado que eu queria fazer essa postagem, sobre a Autobiografia do Chesterton - mas as leituras foram se sobrepondo, e o tempo escasseando... Enfim, agora encontrei uma brecha para recomendar esse livro, mesmo para quem ainda não conhece a ótima literatura policial deste inglês. É certo que a autobiografia tem algumas passagens espinhosas, com referências culturais e históricas muito específicas, mas no geral o texto é tão divertido que compensa demais! Aqui vão alguns trechos, para degustação:

"Essa foi uma excelente primeira lição, no que é também a última lição de vida: a de que, em tudo que importa, o interior é bem mais que o exterior. Estou feliz, afinal de contas, por ele [seu pai] nunca ter sido um artista. Isso poderia ter lhe dificultado que se tornasse um amador. Isso poderia ter destruído sua carreira - a sua carreira privada. Ele poderia nunca ter feito o sucesso vulgar que fez em todos os milhares de coisas que ele fazia tão bem." (pp.62-3)

"Quando ateus estúpidos vinham até mim e me explicavam que não existe nada além da matéria, eu ouvia com uma espécie de sossegado horror, de indiferença, suspeitando que não havia nada além da mente. Desde então sempre tive a impressão de que há nos materialistas e no materialismo algo de ralo e de segunda mão. O ateu me dizia tão pomposamente que ele não acreditava que existisse qualquer deus, e havia momentos em que eu não acreditava sequer que existisse algum ateu." (p.118)

"(...) nenhum homem sabe o quão otimista ele é, mesmo quando se proclama pessimista, porque ele não mediu de fato a profundidade de sua dívida para com seja lá o que o criou e o capacitou a proclamar-se qualquer coisa. Debaixo do seu nariz, por assim dizer, tem o homem uma esquecida chama ou explosão de espanto diante de nossa existência. O objetivo da vida artística e espiritual é cavar até essa submersa aurora de espanto, de modo que um homem sentado numa cadeira possa compreender subitamente que ele está realmente vivo - e então se sentir feliz." (p.121)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O olhar poético




O OLHAR POÉTICO

            Para além da técnica, todo artista é dotado de uma percepção incomum – aquela que faz o escultor pressentir o objeto “guardado” na matéria bruta; a certeza que orienta o equilíbrio de cores na pintura ou indica ao fotógrafo qual cena capturada é única. Chamem de instinto, bênção ou iluminação – não importa o nome; existe essa marca que define e perpassa músicos, atores, bailarinos, poetas... A habilidade de extrair do real uma fatia de beleza que quase ninguém percebe: esse é o olhar poético, transformável e criativo. Na atual literatura cearense, a obra de Carlos Nóbrega é um dos melhores exemplos disso, e o seu mais recente título, Lápis branco (Guaratinguetá: editora Penalux), só confirma as expectativas de quem busca se abismar com bons versos.
            É assim, pela mão do poeta, que enxergamos o gato, animal feito “de dengo, pelo e preguiça”: “Talvez seja bicho de seda/ ou alma andando de quatro/ Pois pisa a Terra e não pesa/ e se evapora em um salto./ É mais mistério que fato,/ direito e avesso de grave,/ E como o mistério/ É visível, /Existe, mas é improvável.” Vemos as carnaubeiras, que “dão asteriscos verdes ao ar ido”, e sabemos que um botão de rosa se contorce, para fazer “origami de si mesmo”. O passeio pela vida, com as pequenas coisas da cidade, luzes e sombras, memórias e tristezas, vem como um sobressalto a cada página – o poeta desnovela as palavras, querendo “não doer”.
            O olhar poético se exercita na travessia entre mundo e linguagem. No caso de Carlos Nóbrega, inclusive, basta uma rápida convivência para notar em seu comportamento cotidiano essa expectativa do sublime, na atenção que dedica a seres e objetos que possa transfigurar em arte. Certa vez, num encontro com vários outros amigos, eu percebi que apenas ele observava a tatuagem de uma desconhecida sentada de costas para nós, no restaurante. O arabesco vertical, impresso entre as omoplatas, parecia a continuação de um penteado – um cabelo convertido em desenho. Carlos me apontou a cena, perguntando se eu achava que a moça tinha consciência daquele efeito estético. Disse que provavelmente não; ela fizera um rabo-de-cavalo displicente. Foi o olhar do poeta que enxergou (e criou) a metamorfose entre pelo e pele. Naquele instante, não interessava a moça, que permaneceu para sempre sem rosto ou identidade. O poeta meditava no arranjo de fios e traços, testando associações possíveis. Depois que o texto despertasse, Carlos Nóbrega devolveria um fragmento de beleza, traduzido e destilado, para que os distraídos percebessem: a arte vive no mundo, mas disfarçada.
            Após Outros poemas, Breviário, Árvore de manivelas e 8 verbetes, Carlos Nóbrega acrescenta, com Lápis branco, mais um livro à minha estante de favoritos. Nela estão as obras que me socorrem, trazendo claridade quando um dia ameaça acontecer em tom insípido.

Tércia Montenegro (escritora, fotógrafa e professora da UFC)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Cândido da BPP





Amigos,

O jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná, é (junto com o Rascunho) um dos veículos mais interessantes de discussão sobre literatura em nosso país. É possível ler suas matérias on line - e nesta última edição eu tive o prazer de encontrar o meu O tempo em estado sólido na seção Estante Nacional (em ótima companhia, com Ana Miranda, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles e outras mulheres escritoras maravilhosas). Quem quiser pode conferir em http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=309

domingo, 30 de dezembro de 2012

O pesadelo de Chico Buarque

Amigos,

Está disponível, em pdf, o meu artigo intitulado "O pesadelo urbano nos romances de Chico Buarque", publicado pela Revista Todas as Letras (Qualis A - nacional). Quem quiser, pode conferir no site
http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tl/index

Um ótimo 2013 para todos!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

IX Semana de Letras da UFC

A IX Semana de Letras da UFC recebe, até 15 de dezembro, inscrições de trabalhos acadêmicos para as modalidades comunicação oral, oficina e minicurso, e de apresentações culturais para as modalidades poesia, música, teatro, dança, show de humor, artes circenses.
O evento traz o tema Letras e Perspectivas: Ensino, Pesquisa e Extensão e é uma promoção do Centro Acadêmico Patativa do Ceará, do Curso de Letras da UFC. A IX Semana de Letras acontecerá na área 1 do Centro de Humanidades, no Campus do Benfica - UFC, no período de 8 a 11 de janeiro de 2013.
Mais informações podem ser encontradas no edital ou no blog do evento ou solicitadas pelo e-mail: academica.semanadeletras2012@gmail.com.

domingo, 25 de novembro de 2012

Mel com Os Espantos

O amigo Plínio Bortolotti foi o responsável direto para que meu mais recente livro surgisse, pois foi ele quem me convidou para publicar, quinzenalmente, crônicas no jornal O Povo - cinquenta das quais acabaram reunidas neste volume, Os Espantos. Agora percebam como sua gatinha, Mel, também foi responsável pelo projeto gráfico da capa...

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

IX Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários

Amigos,

Na próxima segunda-feira, dia 26, começará o IX Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFC. A programação completa pode ser conferida pelo endereço http://ixinterdisciplinar.blogspot.com.br/p/programacao.html
Às 11h, farei uma conferência sobre medo e prazer na fruição da obra artística. Logo em seguida, haverá o lançamento do meu livro de crônicas Os Espantos. Quem perdeu o evento da Bienal pode aproveitar a ocasião para adquirir a obra por lá.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O predestinado


O PREDESTINADO

Alguns livros, como certas pessoas, já nascem predestinados. Quando a Fundação Demócrito Rocha me convidou para reunir cinquenta crônicas dessas que venho divulgando há dois anos, aqui no espaço Opinião, pensei logo no título Os Espantos. A própria seleção dos textos me conduziu a esse nome, pois a maioria das crônicas trata de vidas insólitas, obras de arte (que quase sempre são espantosas) e situações estranhas ou engraçadas. Mal sabia eu que o livro, assim batizado, continuaria me espantando, embora, como sua autora, eu já devesse ter me acostumado a todas as suas características e possibilidades. O susto, porém, continuou e talvez ainda persista por muito tempo, conforme fico sabendo do destino que essa obra vai ganhando.
            A peripécia começou no caminhão que transportava os exemplares para o lançamento em Fortaleza, a ocorrer durante a Bienal Internacional do Livro do Ceará. Em certa altura da viagem, em Minas Gerais, o motorista perdeu o controle e o veículo tombou, largando a carga pela estrada. Rapidamente, apareceram inúmeras pessoas para se apoderar dos pacotes – e essa cena dos salteadores correndo com caixas literárias é uma das coisas que eu jamais conseguiria, sozinha, imaginar. Mas a vida supera a ficção, e o motorista, mesmo com um dos pulsos quebrado, teve o espírito camoniano de se agarrar com um dos pacotes, para salvá-lo. Foi essa caixa, sobrevivente do saque, que garantiu a quantidade de exemplares para que o meu lançamento acontecesse, na quarta-feira passada.
            Houve rumores de que o acidente teria sido provocado por uma barricada preparada por universitários, que, revoltados com os altos preços dos livros que têm de comprar, decidiram saquear alguns. Ao abrirem os pacotes e depararem com o título Os Espantos, imagino o que não lhes passou pela cabeça...
            Por outro lado, ouvi versões garantindo que o assalto foi planejado por uma única pessoa, um empresário que pretendia montar certa livraria monotemática em Ubá. Os livros, após o roubo, seguiram transportados em lombo de burrinho pedrês até um depósito clandestino, e em breve devem ser levados para a tal livraria. Enquanto isso, alguns exemplares já começaram a circular informalmente e, de pessoa em pessoa, vão ganhando mundo, viajando. Um dos livros até foi visto em Congonhas, na mão do profeta Habacuque, de Aleijadinho.
            A editora providenciou uma nova impressão para substituir as unidades perdidas – mas, para mim, os exemplares salvos pelo motorista são especiais. Com pequenos amassados e pingos de sangue, eles trazem o sinal da esperança. Afinal, se a posse de livros ainda provoca luta, nem tudo está perdido para a literatura!

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também no respectivo site)







segunda-feira, 12 de novembro de 2012

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Leia com moderação

Amigos,

Logo, logo chegará às livrarias a antologia 50 versões de amor e prazer, organizada por Rinaldo de Fernandes e publicada pela Geração Editorial. São contos eróticos escritos por 13 autoras brasileiras (eu e Ana Miranda somos as "representantes cearenses"). No início, para mim foi complicado superar a timidez diante de certos temas e palavras, para me dedicar às quatro histórias picantes que aqui estão publicadas. Durante um tempo, passei por hesitações, até me lembrar: arte é território de liberdade e sempre existe uma maneira interessante de tratar qualquer assunto, mesmo aqueles que à primeira vista inspiram tabu.
O resultado dessa experiência foi libertador; creio que ainda farei várias outras narrativas na mesma linha, nem que seja por um simples exercício literário...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os enamoramentos

Trecho da pág.288:

"Miguel não fazia muitas objeções a morrer, se é que se pode dizer isso, compreenda, de alguém a ponto de completar cinquenta anos e que tinha uma vida boa, com filhos pequenos e uma mulher que amava, quer dizer, sim, da qual estava enamorado, sim. Claro que era uma tragédia, como seria para qualquer um. Mas ele sempre esteve muito consciente de que se estamos aqui é por uma inverossímil conjunção de acasos e que não se pode protestar contra o seu fim. As pessoas acreditam que têm direito à vida. Mais até, as religiões e as leis de quase todos os lugares, quando não as Constituições, acolhem essa ideia, e no entanto ela não via as coisas desse jeito. Como é que a gente vai ter direito ao que não construiu nem ganhou? costumava dizer. Ninguém pode se queixar de não ter nascido, ou de não ter estado antes no mundo, ou de não ter estado sempre, logo por que alguém podia se queixar de morrer, ou de não estar depois no mundo, ou de não permanecer sempre nele? Uma coisa lhe parecia tão absurda quanto a outra. Ninguém faz objeções à sua data de nascimento, logo não teria por que fazer à da sua morte, igualmente devida a um acaso."

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Javier, Javier

Estou acabando de ler Os enamoramentos, do Javier Marías. Fiz uma pausa nos russos porque não resisti a esse romance do autor que, para mim, é o que há de melhor na prosa em língua espanhola da atualidade. Entretanto, devo dizer que o livro me decepcionou um pouco. Estava acostumada à qualidade de obras como Quando fui mortal, Coração tão branco e Amanhã, na batalha, pensa em mim - histórias que sempre me faziam sair de sua experiência com aquele embevecimento de admiração pelo arranjo, pelas soluções narrativas e, sobretudo, pela capacidade reflexiva. Este último ponto talvez seja o único que permanece íntegro n'Os enamoramentos, e afinal é o que nos faz reconhecer o estilo de Javier Marías, que tem esse hábito de paralisar a ação para fazer incursões digressivas interessantes - no que lembra, às vezes, José Saramago e Villa-Matas (embora este tenha certa desvantagem estética). No restante, porém, o romance não me convence. Tive a sensação de que o início, quando a protagonista se apresenta como funcionária de uma editora e passa a descrever os autores como caricaturas maníacas, nada mais é do que uma espécie de vingança ou recado do escritor para os seus pares. Não que eles não mereçam a crítica, mas achei que ela entrou de maneira forçada, no livro. Além disso, existe o grave problema de que as vozes da narrativa são todas iguais; personagens os mais diversos caem em reflexões idênticas, usando as mesmas palavras, inclusive. Essa "preguiça" de especificar os temperamentos das figuras literárias acaba explicitando demais o próprio autor, e talvez não por acaso um dos personagens se chame Javier, e a protagonista, Maria. Conhecendo os outros livros deste espanhol, sei que a presença autobiográfica faz parte de seus enredos (e isso, aliás, nunca foi um defeito). Mas a monofonia desse romance não me parece uma estratégia e, sim, uma carência.
Ainda tenho por ler, em minhas estantes, a trilogia Teu rosto amanhã. Espero que ela me resgate um antigo Javier Marías, mais cuidadoso com suas estruturas literárias.

domingo, 9 de setembro de 2012

Russel & Ripley

Continuo com a leitura dos surrealistas (e, de tanto ler autores franceses em edições de língua espanhola, percebo como é cada vez mais urgente que eu planeje uma viagem para a França...). Após René Crevel, escolhi Raymond Russel, cujo Locus Solus me faz lembrar As Hortensias, do Feliberto Hernández, que comentei há alguns dias. A mesma ideia de um lugar doméstico dominado por engrenagens bizarras, ou por fetiches absurdos criados por seus donos, impera nos dois livros. Ora, assim também é inevitável que eu recorde minha recente visita ao México, com o seu museu Ripley. Antes de embarcar para a terra de Frida Kahlo, deixei uma postagem, neste blog, sobre o jogo das coincidências que me atraía a conferir esse museu, obrigatoriamente. Depois, de maneira que considero imperdoável, silenciei sobre o assunto, e apenas alguns amigos próximos souberam do motivo: o museu me pareceu mais engenhoso do que mágico, feito para agradar a mentalidades juvenis. Surrealidade me parece coisa bastante séria, embora não deixe de ser engraçada, às vezes; o problema é tratá-la com um apelo promocional exagerado (coisa que esse museu certamente faz). Mas esqueçamos o infame lado comercial, para que as boas recordações retornem...Durante a visita, fiz uma lista de peças e informações curiosas. Acompanhem abaixo a síntese do acervo do museu Ripley:
- um fetiche xamã de mandíbula de cervo;
- sandálias chinesas, da dinastia Manchú (com a dimensão do pé feminino ideal, que não devia ultrapassar 6 cm!);
- ovos de avestruz (um único ovo pode alimentar 12 pessoas e sua casca serve para transportar água no deserto);
- pinturas feitas em teias de aranha;
- uma réplica da Mona Lisa feita com 64 fatias de pão tostado (acho que essa nem o Vik Muniz faria...Confiram na imagem abaixo)
- um vestido feito com cabelo humano (argh!);
- uma pintura diatômica (fique sabendo que os diátomos são algas minúsculas que se encontram nas gotas da água do mar!)
- um vinho de Hong Kong, feito com fetos de rata (aaargh!).
- a foto de um homem que nasceu com duas pupilas em cada olho.
Se essa coleção não for la crème de la crème do Surrealismo, eu não sei o que pode ser...Locus Solus, do Russel, traz uma narrativa que "passeia" por um ambiente semelhante ao do museu Ripley. Ficaram interessados?




sexta-feira, 7 de setembro de 2012

René Crevel

Acabei de ler (novamente em versão de língua espanhola, resultado de uma viagem a Buenos Aires, dois anos atrás) Babilonia, de René Crevel. O livro é um marco da prosa surrealista, mas não parece "descosturado" como Nadja, por exemplo. Neste romance, Crevel associa os absurdos à mentalidade de uma garotinha - e digamos que o vertiginoso surreal fica, por assim dizer, um pouco justificado. No decorrer da história, o relato vai se tornando mais e mais bizarro e engraçado, além de poético. Há passagens lindas, como esta que traduzo: "(...) amanhã cruzará a canícula uma mulher com um xale de vento. Será a forasteira no umbral das ruas. Seu companheiro, o pai, terá os olhos amarelos, como se estivessem feitos de um metal que não é ouro. Os farrapos colocados nas janelas, em honra a este casal, vão estalar com todas as suas cores, e o verão, por um dia, por um único dia que nunca poderão esquecer as meninas que o tenham vivido, o verão não suportará a mínima precaução de penumbra." (pp.106-7)
A vida de Crevel é outra história de exagero e dramaticidade. Não dá para resumir; quem tiver interesse, busque mais informações. E quem quiser, também, pode conferir os capítulos de uma obra sua, Mon corps et moi, na língua original. Vejam no site http://melusine.univ-paris3.fr/CrevelMonCorps.html

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Roberto e Felisberto

Acabei de ler As Hortensias, do Felisberto Hernández, na linda edição da Grua em parceria com a Editorial Yaugurú, uruguaia. A sensação de reviver o estilo deste autor tão singular, que eu havia conhecido com os contos de O cavalo perdido e outras histórias, foi ótima! E agora creio que consegui formular o que antes havia intuído: uma semelhança de atmosfera que lembra muito a literatura de Roberto Arlt. Não se trata de proximidade através de temas ou de linguagem; é uma espécie de visão de mundo que os dois autores partilham. Ambos conhecem os absurdos que se escondem na realidade e sabem narrá-los com total descontração e simplicidade, mas sem perder o bom toque de ironia. Estou mencionando uma impressão que me veio, e que não cheguei a ver corroborada em nenhum estudo, mas para mim isso é muito forte: Felisberto Hernández e Roberto Arlt são irmãos literários. Façam a experiência de ler As Hortensias e depois passem para Os sete loucos ou O lança-chamas, ou vice-versa. Vocês estarão no mesmo universo criativo. Não por acaso, os dois autores nasceram no princípio do século XX, em países vizinhos, de mesma língua. Se chegaram algum dia a se encontrar, para mim é uma incógnita - mas não preciso dessa certeza para colocá-los bem juntos, na biblioteca.

II Colóquio Cearense de Semiótica

Amigos,

Estão abertas, até o próximo dia 10, as inscrições para o II Colóquio Cearense de Semiótica, que vai acontecer nos dias 17 e 18 de setembro, na Universidade Federal do Ceará. O evento está sendo organizado pelo grupo Semioce e trará grandes pesquisadores da área, como o professor Sémir Badir, da Université de Liège, e os professores Ivã Carlos Lopes e Waldir Beividas, da USP, dentre outros. Quem gosta de semiótica greimasiana não pode perder! As vagas são limitadas! Veja mais informações no endereço http://ufcsemiotica.blogspot.com.br/

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sempre a mesma neve

Estou quase terminando de ler Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio, da Herta Müller, uma das autoras que para mim tem qualidade incondicional: mergulhar num livro dela é sempre garantia de aprendizado ou embevecimento estético. Esta obra, por exemplo: poderia ser apenas um apanhado de textos vários, reflexões sobre literatura e política reunidas num volume justificado pelo fato de que a escritora ganhou o Nobel. Mas, no caso da Herta, uma publicação dificilmente seria "raspa do tacho" com o único propósito de atender ao mercado. O que temos em Sempre a mesma neve... são testemunhos que oscilam do ficcional para a realidade, sem jamais cair na planfetagem - apesar de em inúmeros momentos a autora acusar diretamente a ditadura socialista de Ceausescu, o universal humano está presente em cada linha, e mesmo um leitor distante daquela experiência pode compreendê-la e se comover. Além disso, o livro traz momentos de "bastidores" da escrita de Depressões e Tudo o que tenho trago comigo, outras obras da Herta. É maravilhoso ver as circunstâncias que motivaram essas histórias, e isso não como simples curiosidade; a autora fornece verdadeiras lições de literatura, ao mostrar suas técnicas com o uso das metáforas. Como se não bastasse, nos capítulos de Sempre a mesma neve... ainda aprendemos sobre as línguas alemã e romena, e temos notícia de autores longínquos para o público brasileiro. É o caso de M. Blecher, com o seu Da irrealidade imediata, lamentavelmente nunca traduzido para nós (chuif!).

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O fuzil de caça

Quando estou às voltas com uma obra japonesa, tenho sempre a sensação de uma atmosfera frágil, cheia de silêncio e contenção. É assim com qualquer livro do Akugatawa ou do Kawabata - para citar só dois dos mais famosos - e agora adiciono Yasushi Inoue à lista dos meus tímidos e profundos mestres do Japão. O fuzil de caça, na belíssima edição da Liberdade, traz uma história tão simples quanto emocionante, no ritmo sagrado que o ocidente nunca alcança. É uma obra para ler e contemplar; só se pode apreciá-la em goles curtos e atentos, que combinem com sua pretensão delicada.