LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Crônica de Minas

Amigos,

Esta crônica é a crônica da viagem. Foi publicada hoje, no jornal O Povo. Está disponível também no portal http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/07/20/noticiaopiniaojornal,2269281/cronica-de-minas.shtml



CRÔNICA DE MINAS

Passei uma semana em Minas Gerais, no rastro de sua riqueza histórica e literária. Mas o que começou como um pequeno turismo se transformou em algo muito maior. Eu levava, claro, um roteiro prévio, com vários nomes de igrejas e museus, mas em certo instante me desprendi das visitas obrigatórias – e foi quando as minhas paisagens internas, meus pensamentos e desejos se contaminaram por Minas. Tornaram-se também montanhosos e vastos, largos a perder de vista.
            São João Del Rei era a primeira parada – porém, no caminho, tabuletas anunciavam petiscos e delícias nas cidades próximas. Em Lagoa Dourada, havia o “autêntico rocambole” e, em São Brás do Suçuaí, a “legítima empada”. Como não tenho grande resistência com tentações culinárias, logo me rendi a essas iguarias, que, com o café e o pão de queijo, construíram um quarteto perfeito.
            Ao viajar por Congonhas, Ouro Preto e Mariana, aprendi sobre pedra-sabão, madeira, estanho, cachaça e bolos. Subi por ladeiras impossíveis e desci por subterrâneos de garimpo. O meu amado corajosamente guiava por estradas quase espiraladas, enquanto o nosso GPS se perdia para mais adiante se achar, repetindo sempre, numa convicção de teor político: “Mantenha a esquerda”.
            Em Tiradentes, tive múltiplos assombros. Na matriz de Santo Antônio, cada altar explodia em dourado. Cabeças de anjo surgiam como bonecas mutiladas em todas as reentrâncias, desabrochando nas folhas de louro. Havia serafins com jeito de anão, querubins segurando pilastras e outros anjos em posturas etruscas. Alguns, aos pares, pareciam xipófagos contorcidos numa agilidade pétrea. Os enormes turíbulos eram sustentados no infinito por medonhas aves – e não me esqueço das curiosas figuras no altar-mor: duas vestais meio lânguidas, ao lado de dois titãs, seguravam guirlandas rígidas.
            Foram diversos museus, com oratórios, relicários e estátuas raras – mas talvez a maior impacto tenha acontecido em Ouro Preto. Quando eu já sentia vertigens de tanto admirar afrescos e batistérios, tomei a decisão de entrar em apenas mais uma igreja, aquela que estava por perto e nem era tão famosa assim... Pois foi ali que, numa cripta gelada, encontrei um cristo do Aleijadinho. Era justamente a escultura que, duas décadas atrás, serviu de modelo – em olhos, nariz e traço de sobrancelhas – para o cirurgião do Michael Jackson. Ora, quem diria que o rei do pop teria a sua face inspirada pelo barroco brasileiro? Mas é isso mesmo! Já diziam os antigos sábios mineiros: o mundo é curvilíneo.

Tércia Montenegro (escritora, fotógrafa e professora da UFC)

Nenhum comentário:

Postar um comentário