A
CIDADE IDEAL
Nas recentes
comemorações do aniversário de Fortaleza, vários temas ligados à cidade foram
levantados neste jornal. Houve quem fizesse elogios a pessoas e paisagens,
enquanto outros repisaram problemas sobre violência, hipocrisia política e maus
hábitos. Ora, eu também pensei em escrever sobre a cidade – mas não esta, onde
vivo desde sempre. Como ficcionista, quero apenas imaginar, sem pretensões
didáticas. Não me interesso por modelos urbanos, nem saberia explicá-los. Minha
única pretensão é fechar os olhos e me transferir, por um segundo, ao ambiente
ideal.
Na cidade perfeita,
haveria – claro – o mar. Mas não existiriam prédios, apenas casas: com jardins,
quintais e hortas. À noite, o clima pediria vinho e agasalho. Eu ouviria uma
igreja distante, tocando sinos de verdade (e não gravações por alto-falante).
Todos os endereços teriam nomes poéticos: haveria a rua do Silêncio, a rua da
Boa Brisa, a rua Alva... E também a avenida das Alvíssaras, o Beco das
Orquídeas, a Travessa Amizade. As pessoas andariam calmamente, em trajetos com
árvores antigas e preservadas.
Seriam vistos
pouquíssimos carros, acionados em ocasiões muito raras: uma viagem, uma mudança
ou transporte de pesada bagagem. Para se locomover, as pessoas usariam os
próprios pés, as bicicletas ou os ônibus. E estes seriam especialmente
conhecidos por suas pinturas artísticas – nada de cores padronizadas com as
marcas da empresa! Cada linha de ônibus seria identificada pelo artista cuja
obra traria exposta. Assim, os usuários se encontrariam numa parada e, após os
cumprimentos de praxe, alguém perguntaria: “Sabe dizer se o Chagall já passou?”
E o outro poderia responder: “Ainda não. Agorinha veio um Portinari, e o
próximo deve ser um Xico da Silva, salvo engano.” Internamente, os ônibus
também trariam um estímulo à arte, com algumas de suas janelas transformadas em
paineis para expor desenhos ou gravuras selecionadas em concurso. A música
tocada seria agradável, e todos poderiam relaxar – inclusive o motorista.
Na cidade ideal, as crianças
aprenderiam a tocar instrumentos com prazer. Ainda poderiam escolher atividades
circenses, dança ou línguas estrangeiras – mas nunca por imposição da escola ou
dos pais. Cada família espontaneamente buscaria a cultura, o esporte e a arte.
Não seria necessário qualquer discurso de convencimento para que bibliotecas
fossem tão frequentadas quanto clubes, teatros e praças. As pessoas saberiam
que o crescimento pessoal é um direito – e aproveitariam cada oportunidade.
Luaus, piqueniques ou
passeios de barco seriam comuns no lazer, além dos jogos ao ar livre, na
companhia de animais. A televisão serviria como passatempo somente para quem
estivesse acamado – e, mesmo assim, talvez o doente preferisse fazer palavras
cruzadas... Na cidade ideal, existiria paz, beleza e contemplação. Não haveria
turismo frenético nem ambições imobiliárias. Ali, a prosperidade ganharia outro
significado.
Tércia
Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/04/25/noticiasjornalopiniao,2827270/a-cidade-ideal.shtml)
Nenhum comentário:
Postar um comentário