CARNAVAL
NA UCRÂNIA
O amigo Urik pensou que
eu tinha sido vítima de um sequestro, quando contei que estive em
Prudentópolis, no feriado. Ao contrário, viajei por espontânea vontade –
garanti – e não poderia desejar um carnaval melhor, justamente por não haver qualquer espírito carnavalesco
no interior do Paraná. Escolhi Prudentópolis tão logo soube que 81% dos
imigrantes ucranianos que vieram para o nosso país se estabeleceram lá: minha
paixão pela cultura eslava se eriçou, com a possibilidade de visitar
igrejas bizantinas. Em pleno carnaval, eu trocaria o som de forró e
axé por missas cantadas no ritual de São Crisóstomo; substituiria cerveja
ou patinhas de caranguejo pela degustação de perohê, borstch e holopti.
Embarquei para a “terra
dos pinheirais” cheia de expectativas – e não me frustrei. Cada detalhe da
paisagem, repleta de monjoleiros num terreno ondulado a perder de vista, era
motivo de êxtase. As pessoas também – com o seu jeito simples e educado, de
rosto muito branco e olhos claros – me fizeram sentir acolhida. “Mas veio de
tão longe, fazer o quê?” – perguntavam, com certa vergonha. Quando eu respondia
que era escritora, todos ficavam solícitos, emprestando livros, mostrando
fotos, documentos. D. Meroslawa Krevei, curadora do Museu do Milênio, transportou-me
a 1896, quando chegaram as carroças de Henrique Kremmer, trazendo as primeiras
levas de imigrantes eslavos. Em Prudentópolis, eles introduziram as casas de
madeira, com lambrequins nas platibandas. Trouxeram o seu bordado típico, seus
teares, sua música (com os banduristas, que ainda hoje tocam em festas) e seu
idioma que – ai! – durante a época de “nacionalização” imposta por Vargas,
ficou proibido. Mas ainda assim os descendentes da Ucrânia tentaram salvar a
presença de sua língua no Brasil – e os padres de São Josafat, para burlar a
fiscalização (que exigia missas em português), faziam o sermão de joelhos,
voltados para o altar.
A Igreja Católica
Ucraniana incorporou muitos rituais populares pré-cristãos, como a manufatura
de pêssankas (ou pisankas, para os poloneses). Do verbo “pessaty”, que
significa “escrever”, nasceu o nome dessa pintura delicadíssima, feita na casca
de ovos. Pude conhecer a artesã Vera Daciuk, que me mostrou o processo mágico de
primeiro retirar clara e gema por um orifício minúsculo, feito com uma seringa.
Depois, o ovo (de galinha, de codorna ou até mesmo de avestruz!) é pintado com
cera de abelha em bico de pena aquecido por uma vela, antes de ser
repetidamente mergulhado em anelina (uma para cada cor). Na limpeza final, com
vinagre, o colorido e os símbolos traçados surgem, como um milagre da arte
desenhada num invólucro de vida.
Meu amigo, que não
perde jamais uma piada, viu-me cheia de entusiasmo, a falar simultaneamente em
igrejas e ovos decorados, e saiu-se com essa: “Parece que nessa missa
bizantina, em vez da homilia, eles fazem a omelete!” Foi um trocadilho que
sintetiza, à perfeição, as impressões iniciais de quem descobre uma Ucrânia no
Brasil...
Tércia
Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo - e infelizmente "editada" em seu último parágrafo...)
Acho que a gente sente algo de clariceano no ar...
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