LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Tributo a Salinger

Àquele criador do campo e do centeio (que me transportou para fora do quarto de um hotel, dois anos atrás, no Cariri), eu digo: que bom não ter te conhecido pessoalmente. Que bom teres permanecido mítico, sábio recluso, afastado das banalidades e da voraz imprensa, fermentando em silêncio a arte, que é bem mais importante - e longa - do que a vida. Nada melhor agora que citar, como numa prece:
E, já que é sua religião, sabe o que vão te perguntar quando você morrer? Mas deixe que eu diga antes o que não vão te perguntar. Não vão perguntar se você estava trabalhando numa obra maravilhosa e comovente quando morreu. Não vão perguntar se era curta ou longa, triste ou alegre, publicada ou inédita. Não vão perguntar se você estava escrevendo bem ou mal. Não vão nem mesmo perguntar se essa era a obra que você teria escolhido para escrever caso soubesse que sua hora chegaria tão logo a terminasse (...). Tenho a mais absoluta certeza de que só vão te fazer duas perguntas. A maior parte das estrelas estava brilhando? Você estava escrevendo direto do coração? Se você ao menos soubesse como te seria fácil responder sim às duas perguntas! Basta que se lembre, ao sentar para escrever, de que você foi um leitor muito antes de se tornar um escritor. Simplesmente tome consciência disso, sente-se bem quieto por alguns instantes e pergunte a você mesmo, como leitor, qual a obra literária que o Buddy Glass mais gostaria de ler caso seu coração pudesse escolher. O próximo passo é terrível, mas tão simples que eu mal posso acreditar no que vou dizer. Trate apenas, desavergonhadamente, de escrevê-la você próprio.
(Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma apresentação - p.138)

O dia do cinema




Ontem foi um dia de imersão na sétima arte: de tarde, Avatar, na companhia de quatro amigas queridas, daquelas pessoas que lembram beleza e doçura, apesar de tudo o que se vê no mundo. De noite, Deixe ela entrar, junto com o príncipe, ao lado de quem já vi inúmeros filmes que hoje me escapam, mas que ele (verdadeira encarnação de Funes, el memorioso) sempre recorda com detalhes.


Sobre Avatar, não direi muito, porque o tema já foi retomado milhões de vezes pela mídia, pela crítica e pelo boca-a-boca. Apenas registro o privilégio de viver numa época que permite dessas criações digitais - algo que nos leva a pensar no quanto a ilusão pode ser emocionante: emoções verdadeiras e legítimas diante do que não é real. E não é isso o que a boa arte provoca, sempre? Poderia fazer ressalvas ao maniqueísmo fácil, fórmula previsível no tema do filme - mas prefiro me deter nessas reflexões sobre a fantasia. Ela também, no fundo, parece fácil (talvez seja mais simples criar disparates que perseguir uma lógica), mas como custa ser convincente! Até o velho Gabo resvala em superfícies, às vezes (leio agora Do amor e outros demônios, e me sinto patinando no exótico, no esquisito escatológico: quero me aprofundar, quero mergulhar, e não consigo).


A respeito do segundo filme, um sueco eleito pela Uncut como o melhor de 2009, eu poderia dizer que me impressionei mais - apesar do argumento inicial, que me afastaria do cinema, não fosse a recomendação acima, da revista. Deixe ela entrar não é apenas uma história de vampiros (outro tema desgastadíssimo, e que no geral não me comove - exceto no clássico de Bram Stoker e o outro, do contista curitibano). É um relato belíssimo, com suas crianças pálidas e vingativas numa cidade gélida. Um filme de silêncios longos e closes demorados: um alívio diante da ação desvairada que borra as cenas de Avatar, de Sherlock Holmes e de tantos outros (como se aventura, necessariamente, fosse pressa eletrizante!). Uma história também de fantasia, e que leva a meditar. Talvez o amor seja a única coisa que torna suportável a eternidade.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lama e Granta
























Revistas Lama e Granta: a primeira, de pulp fiction, traz um visual estiloso e bons textos. A segunda, uma edição temática sobre viagens, traz histórias que vale a pena percorrer dentro de uma rede, nestas tardes cearenses. Destaque para os textos de Edmund White, Geoff Dyer, Paul Theroux, Lourenço Mutarelli e Amitav Ghosh.

Irresistível

Mais uma da irresistível Oribella!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Fim de folga

O recesso das aulas vai chegando ao fim, e eu constato mais uma vez que tempo livre não existe: tudo o que acontece tem um objetivo e uma utilidade - sobretudo, quando a gente evita pensar e parte para a ação. Assim é que ando às voltas com a finalização de três livros simultaneamente, e mal posso esperar para retomar os originais que adormecem no computador. Também sinto aquela vontade irreprimível de sair para fotografar... Paquero um novo modelo de câmera - mas não será para agora, não. Existem (snif) outras prioridades.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As ga(ro)tas de C.

Estas são as três felinas de minha amigata Carmélia. Foto (acima) e texto biográfico (abaixo) da própria dona, obedecendo à sequência da imagem:
Pérola
Idade: aprox. 3 anos.
Raça: cruzamento de um SRD + alguma coisa peluda= SRD.
Origem: Foi econtrada no bairro do Benfica.
Personalidade: é esnobe, gosta de dormir sobre livros do Foucault ou em superfícies bastante macias como travesseiros de penas de ganso. Prefere comer a sós para apreciar mais calmamente seu wiskas sabor salmão, atum e sardinha. Adora a Gal das antigas, precisamente o Fa-tal (1971). Fez vários filmes noir e já fez uma participação especial na novela Caminho das Índias (2009) como a alucinação do esquizofrênico Tasso, interpretado pelo ator Bruno Galiasso. Detesta o assédio da mídia, é agressiva com os paparazis. Toma ômega 3 para fortalecer os pelos e deixá-los brilhosos. Enjoa durante as viagens, o que agrava ainda mais seu humor. Só sai de pretinho básico da Chanel ou Armani.

Oribella:
Idade: 7 meses, canceriana, nascida em 26 de junho.
Raça: É filha da Valentina com só Deus sabe quem e olhe lá!
Origem: lavabo do meu apartamento.
Personalidade: ainda em formação. Gosta de tecnologias ao ponto de dormir sobre meu notebook, mas, por outro lado, também curte entretenimentos tradicionais como bolinhas de papel ou carretéis de linha. Faz estilo alternativo, suas cores preferidas são branco, amarelo e preto (em homenagem a Tia Pérola) e as usa indiscriminadamente, por isso, prefere brechós onde pode encontrar peças mais descoladas. É compulsiva por bolsas, entra em sacolinhas de supermercado às maxibolsas da Goyard. Faz books pora passar o tempo. Curte Carla Bruni.

Valentina (vulgo Tinny's):
Idade: aprox. 3 anos.
Raça: cruzamento de um SRD + siamês + alguma coisa peluda= SRD
Origem: obscura, à noite, batia ponto no bar do seu Airton na rua Tomás Acioli. Durante o dia, era vista, em um lavajato, na companhia de um elemento felino chamado Gretchem, que era um gato e não uma gata como pensávamos.
Personalidade: adora estar entre as pessoas e dar palpite na vida alheia. Prefere um chão geladinho a um sofá. Come qualquer coisa, inclusive mamão. Não enjoa durante as viagens, mas enche o saco matraqueando. Adora um barraco, pois, se contrariada pela espécie humana, faz as necessidades fisiológicas no meio da casa, de preferência, quando há visitas; se contrariada pela sua espécie, mete-lhe a patada na cara. Adora a mídia, já fez ensaios eróticos para a SexyCat. Não entende de grifes. Observação: chegou grávida de 5 filhotes.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Unifor Plástica


A partir de ontem, minhas fotografias "Veja" e "Leia", premiadas pela XV Unifor Plástica, fazem parte do acervo artístico da Universidade de Fortaleza. Elas ficaram em exposição de 15 de setembro a 20 de dezembro de 2009.

Ainda sobre o Nazismo - Polônia

Meu amigo Renato (autor da seção Literatrilhas na primeira edição da Para Mamíferos) mandou-me este link com imagens da Polônia. Foi um vídeo ganhador do festival de Podgórze, organizado por Pawel e Melania, anfitriões do Renato em Cracóvia. A a tradução do texto que aparece em polonês é mais ou menos: "Lembre-se do lugar que nos recorda muitas coisas"... As cadeiras gigantes são esculturas que recordam a praça em que os judeus esperavam os trens que os levariam aos campos de concentração.
O vídeo é mesmo lindo, mas lindo por ser tenebroso. Dá um frio na espinha!
Confiram!
Está no youtube em http://www.youtube.com/watch?v=FRf-n_T3oC4

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Policiais

Nova convergência misteriosa fez com que eu, nos últimos dias, assistisse a ótimos filmes policiais sem de fato tê-los escolhido. O Expresso transiberiano lembrou-me dos planos em relação à Rússia (quiçá, bem mais inocentes, mas tão fotográficos quanto os da protagonista do filme). Depois, houve o Segredo de Estado, meio bagunçado por tantos personagens, mas ainda assim bem interessante (ressalva apenas para a figura batida do jornalista certinho-e-de-vida-pessoal-arruinada: um perfil desgastado, que já não me convence). Houve ainda O poderoso chefão, dívida clássica que eu tinha comigo mesma. Mas filme de mafioso também entra como policial. Decido que sim - e por que não? O critério me parece simples: houve crime e suspense, o gênero é policial, pode até a polícia ter passado longe.
Para completar o clima, acho que vou ler um Simenon.

Sobre judeus e burocratas


De uns tempos para cá, seja por simples coincidência ou por conspiração divina, praticamente todo livro que leio aborda o tema do nazismo. Essa grande convergência começou forte com As Benevolentes, acho - e desde então foram diversos títulos, passando pela recente biografia da Clarice e, agora, pelos quadrinhos de Art Spiegelman. Provavelmente, o fenômeno de difusão desse tema é mundial (mas eu me pergunto porque justo neste momento, e não uma geração antes, por exemplo, o tapete foi levantado). Há de existir um motivo político ou histórico para isso, mas antes de tudo há essa curiosidade mórbida que nos caracteriza como humanos. Por que somos tão atraídos pelas desgraças alheias? Para, egoisticamente, tranquilizarmo-nos: isso já dizia Sontag, no seu Diante da dor dos outros.
Funciona. Ler os relatos dos campos de concentração - quadrinizados ou não - minimiza qualquer problema. Passamos a valorizar a comida, a cama e o banho, o simples ato de abrir uma janela ao sol. Esse é o ponto positivo de tais leituras, e agarro-me a ele - mas não posso ignorar o lado negativo, que sempre pulsa, e neste caso consiste na pergunta: O que leva alguém a se desumanizar? Não há resposta simples ou única para isso, mas se me questiono a respeito do que tornou possível a existência do nazismo, num século supostamente moderno ou livre da superstição de caça às bruxas, vejo dois pontos iniciais: a vaidade e a burocracia. Quando alguém se sente poderoso, põe-se a criar ritos, hierarquias ou papelada que tem de ser seguida insanamente. Os tais "exímios seguidores" vão se tornando mais e mais arrogantes por participarem de um sistema - e isso idiotiza, dessensibiliza e, por fim, justifica qualquer chacina.
Parece uma opinião exagerada? Juro que não é. Observe qualquer burocrata, e você verá que, para esconder seus atrofiados neurônios, o indivíduo adota uma postura de orgulho tedioso: anda e fala ao telefone com lentidão, julgando-se sábio e ponderado - mas a vagueza não chega nem a ser um esperto disfarce; é, antes, consequência de sua opacidade: nunca acelera porque não tem ideias que permitam a rotação adequada. Envaidece-se, então, da pilha de processos que ocupa sua mesa, como se um volume equivalente ocupasse o seu cérebro. E essa vaidade logo se transforma num poder perigoso, se o burocrata vê alguém escapando de seus artículos - alguém que é livre, louco ou artista, ou qualquer equivalente. A represália nasce, aqui, da incompreensão ou da inveja - não importa.
O que importa mesmo é que os burocratas nunca vencem. Os nazistas foram burocratas ao máximo, em seu perfil militar e em sua necessidade de seguir um líder. Não exterminaram os judeus, por mais que tenham se esforçado. E hoje, ainda há muito esforço de correntes ideológicas para engessar (burocratizar) a humanidade. Mesmo assim, há os que permanecem livres, ainda que num diminuto território. Esses são os que criam, inventam o que querem, e podem até recontar a História como ela seria, se em vez de burocratas houvesse mais rebeldes, mais anônimos corajosos.
Não é isso o que o Tarantino faz, no seu Bastardos inglórios? Outra obra sobre judeus, mas bem diferente da "papelada"...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Capítulo 10

Nunca fui lá grande fã dos autores secos, objetivos, mas Por quem os sinos dobram tem pelo menos uma cena inesquecível. Está no capítulo 10, a matança dos fascistas espanhóis, e o velho H. faz um autoelogio merecido. Na impossibilidade de transcrever todo o trecho, longo demais, substituo o dito capítulo por este fragmento (também belo):
"Morrer era nada, e ele não tinha uma imagem da morte, nem medo dela na mente. Mas viver era um campo de trigo ondulado ao vento numa encosta. Viver era um gavião no céu. Viver era um jarro de cerâmica com água na poeira do debulho do trigo, batido na eira com o mangual, e a palha esvoaçando. Viver era um cavalo entre as pernas e uma carabina sob a coxa, uma colina, um vale, um riacho com os pinheiros ao longe, mais adiante outro vale, e outras colinas além." (p.421)
Disso tiramos a conclusão de que a beleza vem das torrentes, não das contensões. Quando o velho H. faz concessões à poesia, atinge o seu cume. O problema da secura, porém, atinge a maior parte do livro - e também há aquele tom de "fórmula" inegável: um tema de aventura, um encontro amoroso etc. Para quê as cenas com a tal Maria? Dis-pen-sá-vel... e piegas, da forma com que está escrito. Ou talvez seja problema da tradução? Sim, acontece disso.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Beleza fundamental


Esta é Mademoiselle Gaia dos olhos de uva, também conhecida como a gata do rabino, por sua semelhança com a figura do álbum de Joann Sfar.