LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Michel Leiris

Ainda na linha dos surrealistas e seguindo a atmosfera da França das primeiras décadas do século XX (com as inevitáveis ligações com a leitura recente de Duchamp e outras mais, esparsas, de capítulos retirados do livro de Carmen Verlichak, Las diosas de la Belle Époque), encontrei Michel Leiris, patafísico do grupo de Alfred Jarry. O seu livro A idade viril não é, porém, ficção - ou pelo menos, não completamente, já que se pretende autobiográfico. Escrito quando o autor tinha acabado de completar 34 anos, a atmosfera que daí emana é inspiradora pelas referências a óperas, textos literários (sobretudo Racine) e pinturas (principalmente Cranach). Os episódios íntimos, entretanto, perturbam ao expor um lado fragilizante. Alguém talvez possa considerar um ato de coragem, tamanha confissão escancarada - mas para mim ela mostra um ser apatetado, com angústias mesquinhas que derivam quase todas de um simples fato: considerar-se o centro do mundo. Diante de um comportamento assim, eu vejo como a humildade não se confunde com altruísmo, mas é antes de tudo um gesto saudável de distanciamento. Os obcecados por si  mesmos não aprendem a relaxar.
Leiris, no entanto, foi um artista, e aos artistas tudo parece válido, porque é aproveitado ou se converte em estética. Eis porque a leitura ao final agradou - mas de uma forma ambígua e grotesca, assim como este retrato do autor feito por Francis Bacon (e Bacon, aliás, não seria o "amigo pintor"sobre quem Leiris algumas vezes fala, mas ocultando a verdadeira identidade? Suspeito que sim. Nesse caso, o mistério é bem revelador).

Um comentário:

  1. "...eu vejo como a humildade não se confunde com altruísmo, mas é antes de tudo um gesto saudável de distanciamento. Os obcecados por si mesmos não aprendem a relaxar."
    Gostei dessa tirada, Tércia. Tão visível, tão cotidiana... Escrevi uma crônica intitulada Complexo de Pigmeu mais ou menos nessa trilha, dos que fingem não aparecer para melhor aparecer. "Onde o menos vale mais." Paradoxo! (Se é que compreendi o contexto da sua colocação). Beijo e um ótimo Carnaval.

    ResponderExcluir