A DIFERENÇA
Pela internet, circulam inúmeras mensagens sobre o valor da existência, da essência da vida, do tempo etc. As pessoas até se comovem com tais recados – mas nunca chegam a colocá-los em prática. E o que aconteceria, se todos tivessem a brusca consciência da finitude? Seríamos invadidos pelo desespero ou, ao contrário, pela iluminação? Uma coisa é certa: a mudança de pensamento teria de criar uma nova rotina. Ou melhor, a rotina não existiria. Convictos da inutilidade de tudo, não manteríamos a farsa dos empregos, das contas bancárias, das cirurgias plásticas ou tabelas de calorias. Não enfrentaríamos o trânsito nas piores horas, nem manteríamos a casa neuroticamente limpa. Tampouco nos privaríamos de férias para fazer uma pesquisa extra com fins de pontuação no currículo...
E se o mundo inteiro arriscasse a rebeldia de dizer: “Não. Isso não é importante”? Só iríamos valorizar o prazer, em qualquer dos seus significados: boa comida e bebida, sono pacífico, diversão e, sobretudo, amor. Amor dos amigos, dos bichos e das plantas. Amor da água e do sol, de manhãzinha à beira-mar. Amor das flores e do vento – tudo o que nos rodeia sabe fazer carinho; a gente é que não percebe.
Mas não há grande chance de que a humanidade mude. O frenesi produtivo sofre mínima ameaça, porque as pessoas continuam iludidas, achando que são máquinas. Talvez elas imaginem que são eternas, como uma equação ou um robô. Há muitos circuitos a prendê-las; um deles é o da roda-viva do dinheiro; o outro, do carrossel social.
Quando o assunto é dinheiro, justificam-se os sacrifícios para suprir uma ambição extra: um carro, uma viagem ou uma casa. O problema é que, alcançado o objetivo, de imediato surge outro desejo. No final, o indivíduo dedica toda a vida a projetos de consumo: consome-se, e não desfruta quase nada.
O carrossel social acompanha as fórmulas que colam o rótulo de “ajustados” naqueles que casam, têm filhos e demais preocupações. Os que sufocam ao peso das responsabilidades carregam, no geral, uma cega obediência à rotina. Quando enfartam, todos ao redor se mostram chocados, mas não lhes passa pela cabeça fazer algo diverso.
O diferente é o revolucionário, o anti-social. É o louco, o irresponsável, o artista em delírio criador. Compare seu status ao de um pai de família que todos os dias toma o seu idêntico café com torradas um minuto antes de entrar no elevador. Qualquer dos dois tem, digamos, a mesma hipótese de morrer. Mas ninguém lamenta muito, se isso ocorre ao diferente. É um bom sinal: quem viveu com plenitude não desperta pena.
Tércia Montenegro (escritora, fotógrafa e professora da UFC)
É verdade, mas infelizmente tão difícil de se pôr em prática...
ResponderExcluirAdorei o texto.
Abraços
Manoel
P.S. Ontem fui ver o Rubem Alves no Celina Queiroz. Ele é realmente um amor de pessoa; pura encarnação do que escreve.