O LIVRO DOS BEIJOS
Quando estive em Florença, comprei O pequeno livro dos beijos. A edição, em formato de bolso, era tão compacta, que temi que pudesse comprometer a qualidade – pois livros de imagens são feitos para virarem álbuns grandes e fartos, em que se possam ver detalhes. Mas aquele volume de capa vermelha era portátil como um segredo, e as fotos correspondiam perfeitamente à atmosfera íntima que se cria em curtos espaços.
Em cada página, o retrato de um beijo apaixonado. Logo na abertura, o clique de Edouard Boubard mostra um casal etéreo diante de um muro desgastado, cuja escuridão camufla o corpo do homem, que num abraço arrebatado levanta a companheira. Cartier-Bresson, mais adiante, fotografa um par francês de rosto colado, num café, com o cãozinho a espreitar aquele gesto. E depois temos uma dupla à beira do Sena, as cabeças escondidas, juntas no anseio de trocar o fôlego.
Há abraços que lembram tango – pois o bom beijo nunca é dado sem enlace. Sente-se o desequilíbrio das sombras, a tontura da luz, nas fotografias mais passionais. Existem, porém, aquelas divertidas, como a tirada por Carl De Keyzer. Um casal põe máscaras na parte de trás das cabeças, e elas se tocam nos lábios quando eles se sentam de costas um para o outro. Um clique de Keystone mostra uma jovem sentada no colo do amante: o vestido xadrez infla, cheio de anáguas, e as mãos do homem parecem segurar o rosto da mulher como se ela fosse um prato a devorar. O cômico vem pelo contraste com a figura ao lado: no mesmo banco, está também um homem sentado sozinho, com um olhar de cansaço.
O livro traz camponeses, punks, turistas ou noivos. Estão em jardins, carros ou estações de trem, praias ou cemitérios, no alto de muros ou debaixo d’água. Algumas imagens eternizam o primeiro beijo – mas sei que as mais importantes mostram antigos namorados. São eles que se tocam com a delícia do conhecido, num exercício de afeto próprio dos mamíferos. Penso nisso e lembro que, quando criança, eu achava que a respiração dos peixes também fosse um ritmado gesto de amor – e assim eu passava muito tempo diante de aquários... Aquela ideia pode ter sido um absurdo científico mas até hoje me comove, como se fosse o retrato de um carinho incógnito.
Tércia Montenegro (fotógrafa, escritora e professora da UFC)
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