LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A paz e o tédio


A PAZ E O TÉDIO

Há quem confunda a paz com o tédio e considere que uma vida tranquila é muito aborrecida. Nada mais enganoso! Quem conhece um estado pacífico sabe como ele pode ser divertido, envolvente e instigante, sem que para isso seja necessário o excesso de adrenalina. O problema é que, num mundo que celebra cada vez mais a ambição agressiva, atitudes calmas são consideradas estúpidas, lentas ou letárgicas.
Lembro um conhecido senhor que costumava pedir a Deus para jamais obter um porte de arma, porque senão com certeza soltaria uns tiros no trânsito e no trabalho. E certa mulher, ainda jovem mas horrivelmente rabugenta, uma vez me revelou que adorava brigas. Disse que a paz “lhe dava nos nervos” – e talvez por isso tenha escolhido, de propósito, um companheiro infiel. Ele sempre lhe fornece motivos para escândalos e vinganças, e ela nunca se sente distraída...
Ora, a paz é o antípoda da violência, não se confunde com marasmo ou comodismo. Quem prefere uma rotina de angústia e estresse porque acha que assim se mantém atento ou esperto, na verdade não está fugindo da banalidade – faz exatamente o contrário. Lugar-comum nos dias de hoje é o ritmo frenético, a agonia e a pressa. Quem vai na direção oposta não é o entediado, mas o pacífico.
A paz é um doce torpor, um sossego associado a sono e silêncio (e as próprias palavras parecem sussurrar quando se fala a respeito). O tédio é uma repetição infértil, um gesto inútil ou envelhecido. Há o tipo bocejante, com seu efeito soporífero: aparece em recitais de pseudopoesia, por exemplo, e em alguns livros ou filmes óbvios. Aliás, tudo o que seja óbvio, em arte ou fora dela, carrega um tédio fatal.
Acho especialmente entediantes as polêmicas – de toda espécie. Logo que avisto duas pessoas disputando argumentos, caio num cansaço instantâneo. Acontece o mesmo se me envolvo em conversas redundantes, pretensamente politizadas, ou se escuto projetos de bêbados ou exigências burocráticas. Tudo isso é tédio, porque é previsível.
Há inclusive um autoritarismo tedioso, próprio de pessoas mandonas (geralmente as mesmas que abominam a paz). De tanto repetirem gritos e ordens, já não inspiram medo; são circulares em seu estilo furioso. Suspeito que tais indivíduos ainda continuam no poder, em qualquer esfera que seja – familiar, profissional, não importa –, porque há os que confundem tédio com paz. Talvez exista uma paradoxal sensação de
segurança na vida ao lado de um carrasco. Lamento por estes pobres ingênuos, que ainda não perceberam como a paz é uma via de acesso para a liberdade.

Tércia Montenegro (crônica publicada no dia 18/07/2012, no jornal O Povo. Disponibilizada aqui com atraso por motivo de viagem.)

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