A
PAZ E O TÉDIO
Há quem confunda a paz
com o tédio e considere que uma vida tranquila é muito aborrecida. Nada mais
enganoso! Quem conhece um estado pacífico sabe como ele pode ser divertido,
envolvente e instigante, sem que para isso seja necessário o excesso de
adrenalina. O problema é que, num mundo que celebra cada vez mais a ambição
agressiva, atitudes calmas são consideradas estúpidas, lentas ou letárgicas.
Lembro um conhecido
senhor que costumava pedir a Deus para jamais obter um porte de arma, porque
senão com certeza soltaria uns tiros no trânsito e no trabalho. E certa mulher,
ainda jovem mas horrivelmente rabugenta, uma vez me revelou que adorava brigas.
Disse que a paz “lhe dava nos nervos” – e talvez por isso tenha escolhido, de
propósito, um companheiro infiel. Ele sempre lhe fornece motivos para
escândalos e vinganças, e ela nunca se sente distraída...
Ora, a paz é o antípoda
da violência, não se confunde com marasmo ou comodismo. Quem prefere uma rotina
de angústia e estresse porque acha que assim se mantém atento ou esperto, na
verdade não está fugindo da banalidade – faz exatamente o contrário. Lugar-comum
nos dias de hoje é o ritmo frenético, a agonia e a pressa. Quem vai na direção
oposta não é o entediado, mas o pacífico.
A paz é um doce torpor,
um sossego associado a sono e silêncio (e as próprias palavras parecem
sussurrar quando se fala a respeito). O tédio é uma repetição infértil, um
gesto inútil ou envelhecido. Há o tipo bocejante, com seu efeito soporífero:
aparece em recitais de pseudopoesia, por exemplo, e em alguns livros ou filmes
óbvios. Aliás, tudo o que seja óbvio, em arte ou fora dela, carrega um tédio
fatal.
Acho especialmente
entediantes as polêmicas – de toda espécie. Logo que avisto duas pessoas disputando
argumentos, caio num cansaço instantâneo. Acontece o mesmo se me envolvo em
conversas redundantes, pretensamente politizadas, ou se escuto projetos de
bêbados ou exigências burocráticas. Tudo isso é tédio, porque é previsível.
Há inclusive um
autoritarismo tedioso, próprio de pessoas mandonas (geralmente as mesmas que
abominam a paz). De tanto repetirem gritos e ordens, já não inspiram medo; são
circulares em seu estilo furioso. Suspeito que tais indivíduos ainda continuam
no poder, em qualquer esfera que seja – familiar, profissional, não importa –, porque
há os que confundem tédio com paz. Talvez exista uma paradoxal sensação de
segurança na vida ao lado de um
carrasco. Lamento por estes pobres ingênuos, que ainda não perceberam como a
paz é uma via de acesso para a liberdade.
Tércia Montenegro (crônica publicada no dia 18/07/2012, no jornal O Povo. Disponibilizada aqui com atraso por motivo de viagem.)
Gosto mesmo de ler as escolhas das tuas palavras!
ResponderExcluirK.