O
TURISTA DEPREDATÓRIO
Apesar de ver muitas
considerações sobre o turismo feitas em livros, reportagens ou textos de
aventura, o assunto me parece inesgotável. Lembro que anos atrás eu e meu amigo
Juva tentamos elaborar o “Decálogo do perfeito turista” enquanto rodávamos a
caminho de Mafra. “O turista não vê, fotografa”, propôs ele, ironizando o meu
hábito de estar sempre com a câmera ligada. “O turista segue as setas”, continuei,
apontando para a sinalização na estrada – e assim nos divertimos, criando uma
lista que nunca chegou a terminar.
Recentemente fui levada
a refletir sobre o “turista depredatório” – categoria que se define por depredar monumentos, obras históricas ou
tesouros de nações alheias, sendo este o seu principal objetivo nas excursões
mundo afora. O amigo Renato me falava disso a propósito de uma pessoa, que
certa vez roubou ossos sírios de um cemitério bizantino, para usá-los como
amuleto. Em troca, contei-lhe uma cena ocorrida em Jerusalém: apesar das
proibições do guia, interditando qualquer proximidade com as árvores sagradas,
vi um homem arrancar um ramo de oliveira, e de modo tão excitado como se
estivesse roubando o diamante Orloff.
Quando se trata de
elementos da natureza, aliás, esse turista parece que se torna superdepredatório. Os sistemas de
segurança ao ar livre são ineficazes; não há como instalar sensores, redes de
choque ou barreiras para impedir que conchas, torrões de areia ou cascas de
tronco sejam surrupiados. Mas quem se importa com essas coisas? – indagará
alguém. O turista depredatório – garanto. Embora ele encontre idênticos
produtos no próprio país, acredita que aquela
folha específica, dos Jardins de Dessau-Wörlitz, será diferente de todas as
outras. Ele precisa arrancá-la e escondê-la, como um verdadeiro malandro. Quer
o souvenir gratuitamente, seja porque
sabe que não está à venda (ou, se estivesse, apenas ricos museus conseguiriam
comprá-lo), seja porque tem uma tendência cleptomaníaca lá no fundo da alma.
Sem tecnologia para
deixar a natureza tão protegida quanto o acervo do Hermitage, os sítios
turísticos contam somente com a inspeção humana. E às vezes ela se torna tão minuciosa,
movida por um instinto de preservação tão exaltado, que o profissional
responsável pela tarefa se torna um guia econazista. Um deles certamente trabalha
no Morro do Pai Inácio, na Chapada Diamantina. Lá, em certa ocasião uma
inocente francesinha arrancou uma flor e se pôs a brincar com as pétalas. O
guia cuspiu-lhe ofensas que ela não entendeu completamente, por causa do idioma
– mas o fato é que a francesa acabou por enfiar de novo a florzinha no chão, na
tentativa de devolver o objeto que nunca deveria ter tocado.
Renato me falou de
outros casos, como o furto a azulejos do século XVIII no Convento de São
Francisco, em Salvador, e o roubo de uma pedra da Casa da Torre de Garcia
d’Ávila, além da apropriação de seixos pré-históricos em diversos parques
nacionais. Ele, que conhece vários turistas depredatórios, já pensa em fazer um
estudo sobre a pilhagem como elemento motivador de viagens...
Tércia
Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também no site.)
guia econazista hahahahaha
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