À
ESPERA DO ESTÉTICO
Como
participante do Semioce, grupo de estudos semióticos da Universidade Federal do
Ceará, tenho vivido vários instantes de junção entre teoria e arte. Para mim a
semiótica é a ferramenta mais satisfatória para quem deseja se aprofundar nas
questões relativas à construção do fazer literário, musical, pictórico etc. Mas
é claro que, enquanto disciplina que sistematiza os seus procedimentos, ela
exige uma iniciação técnica – e um jornal não é espaço para a discussão de tema
tão complexo. Hoje eu gostaria apenas de sugerir um ponto reflexivo, a partir
do livro Da imperfeição, de Greimas.
Nessa obra, o autor ensaia os modos de apreensão do sentido pelo corpo sensível
e coloca o estético como possibilidade de fratura
de uma rotina.
Simplificando,
poderíamos dizer que quando algo provoca essa quebra do óbvio, da mesmice em
que estamos imersos, promove o arrebatamento do indivíduo. O sujeito se esquece
de si, do próprio corpo com identidade e território delimitados no mundo. É
arrastado bruscamente pela experiência estética – que ocorre no contato
inesperado com a arte, ou mesmo com um elemento do cotidiano capaz de alcançar
essa dimensão de “estranhamento”, essa suspensão do previsível. No instante
encantatório, sujeito e objeto tornam-se um, fundem-se numa espécie de laço
primordial.
Há
um momento no livro em que Greimas cita Baudelaire, e talvez o comentário do
poeta seja decisivo à compreensão que desejamos: “o inesperado, a surpresa, o
assombro, são uma parte essencial e característica da beleza” – diz o autor de Les fleurs du mal. Aqui, o conceito de
beleza, ou de estético, não está agregado a nada em particular; pode existir
num poema, num som ou num rosto. Importa somente que haja esse impacto, o susto
de não prever nada – e, de repente, fundir-se a esse objeto de estesia, num átimo
de deslumbramento. No instante seguinte, a pessoa já volta a ser quem era antes,
recupera as sensações habituais e torna a pôr os pés no chão, por assim dizer.
Pode ser que ainda admire a obra e até tente explicar com palavras o efeito que
ela proporcionou. Mas o arrebatamento já se perdeu; o instante de união sagrado
passou, porque passou a surpresa, e ela não pode ser forjada uma segunda vez.
A
experiência, que acontece como primeira e última, ou “primúltima”, como Greimas
coloca, está destinada a libertar e reatar as continuidades do cotidiano. O
indivíduo põe-se à espera de novos “acidentes estéticos” e, se por um lado
incomoda saber que essas ocasiões são tão fortuitas, sob outra perspectiva é um
consolo ter a beleza como chance súbita de êxtase, dentro de uma vida
mesquinha. O fato de cada alumbramento ser tão fugaz acaba sendo um retrato de
nosso próprio destino humano, igualmente perecível, mas – por que negar? – surpreendente,
em tantas coisas mínimas.
Tércia
Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também no respectivo site)
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