Este último fim-de-semana foi vivido do jeito que mais aprecio: com arte, e intensamente. Em matéria de leitura, terminei As armas secretas, do Cortázar. Todos os contos são muito bons, embora talvez eu tenha me identificado mais com o primeiro, pelo tema. Mas "As babas do diabo" também tem aquele começo incrível, e trata de fotografia... "O perseguidor" é eleito no posfácio como o divisor de águas em Cortázar, mas eu me ressinto um pouco da sensação de incompletude ou final brusco que ele traz - embora suas reflexões sobre o tempo sejam interessantíssimas e o tema do jazz tenha me deixado o velho sabor dos textos do Último round e d'A volta ao dia em 80 mundos. De todo modo, é sempre válido revisitar um grande autor. Cortázar tem esse dom de lançar novas reflexões a todo instante: ele é maravilhoso, mas ao mesmo tempo nunca se tornará íntimo. Não se pode reduzi-lo a uma estética ou estilo; seus estudiosos provavalmente têm delimitadas suas fases ou estratégias, mas não me interessa a consciência disso. Quero desfrutar de sua obra, e essa já é uma boa maneira de aprender sobre ela.
Quanto aos filmes, vi três - todos indicações (e empréstimos) de amigos. Katýn veio ao encontro da atmosfera de convergências de minha atualidade - a inegável presença de histórias sobre o nazismo e o stalinismo. Cada vez percebo mais que tudo isso não é coincidência, e é necessário fazer algo com a matéria-prima do assunto que insiste e, aos poucos, acende desejos e projetos: palestras, cursos, viagens... Mas por enquanto as coisas ainda estão nebulosas para mim; só vale a pena falar sobre o filme e dizer: é lindo e trágico, terrível e verdadeiro. O mundo inteiro devia ver essa moderna Antígona.
Em paralelo (e com as devidas diferenças, claro) a moderna Medéia francesa poderia ser o Il y a longtemps que je t'aime - mas esta é uma Medéia sem ódio nem vingança, prisioneira de seu gesto de libertação que ninguém, nem mesmo ela, consegue justificar. Outra película que une beleza e dor.
O terceiro filme foi uma adaptação do Chandler, A dama do lago (que preciso reler). O recurso de filmar com a câmera simulando o olho do protagonista é coisa inusitada, mas que recai numa certa monotonia. Além disso, a conclusão do filme é rápida, algo confusa e com um toque de deus ex machina nada convincente. Talvez seu ponto positivo esteja com as expressões de Aldrey Totter, que isoladamente escapa à caricatura de seu papel, tornando-se tão afetada que por vezes a dissimulação é o que lhe garante uma profundidade que os outros personagens não têm.
Para completar o fim-de-semana, fui a exposições. No Sobrado José Lourenço, visitei a mostra dos 10 artistas em cartaz, e meu destaque pessoal ficou com os sempre inventivos Weaver e Zananzanan. Já no DiVerCidade, frequentei uma ótima oficina de porfólio, conheci pessoalmente alguns artistas que já admirava de nome e tomei nota de outros, para conhecer mais. Foram muitas anotações para debates - internos ou não - que certamente depois virão. Penso que, se eu pudesse listar em poucas palavras algumas sensações que tenho com as artes visuais contemporâneas, elas seriam: ruídos - fusão homem/ espaço urbano - o coletivo como autoria - a velocidade vertiginosa - o devaneio - a vida privada.
A maioria dos elementos nessa lista me incomoda, mas talvez seja porque me parecem gratuitos. Só existe uma forma de de descobrir se eles têm sentido: pesquisando, estudando. Muitas vezes, ao final de um longo pensamento, percebemos que não há explicação ou proposta alguma para uma determinada obra - mas aí, quase sempre, o processo de pensar valeu como um caminho próprio, capaz de se desligar do objeto inicial. É isso o que enriquece a prática e nos afasta de uma estéril teoria.
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