No meu último dia em Jerusalém, um comerciante na Via Dolorosa ofereceu-me a réplica de uma coroa de espinhos. Durante a viagem, eu já havia recusado miniaturas da torá, turíbulos gregos, cruzes, lapinhas e candelabros. Toquei a coroa: tinha um diâmetro pequeno demais. Pensando que eu analisasse a qualidade do produto, o vendedor entusiasmou-se, num inglês sôfrego:
– É uma réplica autêntica! Pode levar!
Eu não ia discutir a autenticidade de nada daquilo, muito menos de uma réplica. Além do mais, meu ônibus estava saindo – mas o comerciante ainda veio me oferecer solidéus em muitos modelos, de cetim, algodão, veludo...
– Não tenho familiares judeus – disse, sem muita convicção, porque no Brasil a gente nunca tem esse tipo de certeza. Escapei rumo ao ônibus, e por um instante meu guia e o vendedor fizeram gestos simétricos, cada qual em seu extremo. Um gesto de chamado, busca; tudo era comércio da mesma forma. Eu não esquecia o que a professora de Honduras, companheira de excursão me dissera, logo no princípio do passeio:
– A segunda maior atividade de Israel é o turismo. Este é um país riquíssimo, você percebe.
Eu ia percebendo. Fosse no kibbutz onde fiquei hospedada, em luxuosas instalações que nem de perto davam a sensação de que eu dormia numa colônia agrícola, fosse no próprio aeroporto de Ben Gourion. O nome desta edificação tão nova quanto imponente confirma o orgulho que certos judeus têm da memória de seu bélico primeiro-ministro. Sim, porque a maior atividade de Israel é a indústria de armas. Por aqui, adolescentes em serviço militar desfilam com seus rifles, e podem levar as armas para casa. Nas praças e nos mercados, garotas de rabo-de-cavalo fumam, enquanto olham as pessoas. Eu quase consigo esquecer que elas estão de botas, uniforme e rifle.
O guia continua a indicar as relíquias de sua terra, o solo sagrado. Comenta a guerra contra os sírios, a disputa de territórios, e leva o grupo turístico a ver um terreno cercado e inútil, polvilhado de minas. Quando aponta uma casa semidestruída por um míssil, muitos passageiros se acumulam para fotos, na janela do ônibus. Até a professora de Honduras está lá, inclinada, em busca de um ângulo rápido. Não me mexo no assento. Penso nas paisagens bíblicas, devastadas, e nas indústrias de lapidação de diamante, as maiores do mundo. Tento imaginar que os beduínos talvez pudessem visitar os Jardins de Bahai, ou pescar no rio Jordão. Quem sabe as mulheres muçulmanas despissem o hijab – lenço islâmico – para molhar os cabelos no Mar Morto...
Quero me convencer de que meu exercício de imaginação, mais que forçado, é impossível. Mas antes, retiro do bolso o chaveirinho de camelo que afinal comprei
Tércia Montenegro
(Texto publicado no jornal O Povo, em 2008)
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