Todas as janelas de minha casa têm cortina de algodão cru, com tramas de flores e quadrados. Gosto de pensar que ainda guardam o movimento das mãos que trançaram suas figuras labirínticas – porque foram mãos, e não mecanismos de uma fábrica. Vê-se de longe o tempo que levou cada peça: semanas, até meses, num ofício de criação rítmica. Quando o vento sopra cada cortina, é como se resgatasse a vida que lhe imprimiram aquelas mãos.
Em determinadas horas do dia, há sempre um gato que descansa na janela da frente, por onde se vê meu jardim de verde-sombra, com árvores que são um alívio a quem se aventura sob este céu de manhãs flamejantes. Por mais iluminado que esteja o tempo, entretanto, o corredor permanece úmido. Um corredor longo e silencioso, arejado pelo vitral antigo, posto como um olho neste pé-direito alto. O piso vermelho conduz à sala, toda composta de móveis rústicos – mesa, cristaleira, cadeira de balanço. O destaque talvez seja um sofá xadrez, pequeno fetiche do qual não me desfaço.
Há também, confesso, o quarto principal, com o colchão d’água. Serve para lembrar que somos feitos muito mais de líquido e, portanto, somos maleáveis. Além disso, nas noites em que o amado não está, o colchão permite que eu ainda repouse na sensação de verdes mares...
A sala de leitura e artes é onde se encontra o maior número de livros, quadros e esculturas, também espalhadas pelo resto da casa. O computador é inevitável, mas acabou fazendo um par alegre com a parede coberta de pastilhas: o desenho do pavão misterioso me fita, com seu perfil multicolor.
Da cozinha, ressalto o constante cheiro de café e caju. Ouve-se um ruído de rolha liberta em algumas noites, as mesmas em que se pode escutar uma conversa animada no puxado lateral da casa, um espaço que tradicionalmente se chama oitão. Pois é neste oitão que meus amigos ficam, em redes ou cadeiras, aproveitando o sossego, que é tão parecido com a paz.
Eu também fecho os olhos nos instantes de silêncio – dou mais um embalo na rede e esqueço que a realidade é outra, no apartamento com sua vizinhança anônima e urbana. Nessa breve sensação de alívio, penso que estou em minha casa imaginada, com brisa de mar e jeito de sertão. Novamente, acabo de pendurar as cortinas e agora observo sua dança, ao vento.
Tércia Montenegro
(texto publicado em 2008, na revista da Casa Cor)
Bom conhecer sua casa, imaginada ou não.
ResponderExcluirE ler uma palavra há tanto esquecida e tão bela em seu significado e sonoridade: oitão.
Eu, jaguaribano nascido em Fortaleza, gostei muito do seu texto. Enquanto conhecia sua casa, bebia uma saborosa cajuina natural, sem adição de água e açúcar.
ResponderExcluirAgora, não sei como a Casa Cor a publicou. Não vi, em nenhum momento, você dizer que ter um aparelho eletrônico em cada cômodo é essencial ou que determinada cor é TUDO DE BOM. Excelente lapso!!!
Ass.: Davi Cunha