LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Lixo extraordinário


Não vi o documentário sobre a obra do Vik Muniz, mas ganhei de um querido amigo a edição do Lixo extraordinário. Acabei de ler agora, suspendendo o estudo histórico de arte sob a tutela do Gombrich, para mergulhar em algo contemporâneo, criação da hora.
Já tinha admirado a arte de Vik desde o ano passado, com a incrível exposição de suas fotos no Espaço Cultural da Unifor. Agora, esta compilação de seu trabalho com o lixo só reitera minhas impressões favoráveis sobre ele.
Sinto tristeza e revolta quando ouço algumas pessoas obtusas criticando essa arte como "aproveitadora da miséria" ou coisa do tipo. Como se o artista fosse um tipo de vampiro, sugando ideias do mundo, explorando as imagens anônimas para ele próprio fazer-se famoso. Se assim é, toda arte é vampiresca, e talvez isso possa até embrenhar-se no conceito mesmo de criatividade, que jamais surge desvinculada de motivações. Nem por isso um artista cai em dívida para com a fonte de seus insights, não se torna obrigado ao assistencialismo ou à caridade. Leio que Vik Muniz, de fato, envolveu-se com projetos sociais - mas isso, ao meu ver, não torna sua obra mais digna ou legitimada. Uma coisa está totalmente separada da outra; se o homem sente o impulso de ajudar, isso não é mérito que desencadeie, via de regra, uma arte. Ao contrário, nesse território as boas intenções costumam resvalar para o pieguismo, e grande parte da invenção artística surge mais pelo impacto agressivo que por um confortável sentimento de alívio. Assim, toda essa pauta de ecologia, reciclagem e valorização das camadas sociais mais pobres tem urgência máxima para o planeta. A arte, porém, é algo diferente: é contemplação, e não necessidade. É luxo, sempre, mesmo quando nasce do lixo.
Acho ridículo quem tacha de "burguesa" (naquele desgastado sentido, num perfil de caricatura revolucionária) as iniciativas de um artista como Vik. No fundo, talvez seja a simples inveja, atuando discretamente - pois o mesmo sujeito que critica também é incapaz de fazer algo em auxílio dos catadores, dos miseráveis que vivem no aterro. Seu único prazer é o da retórica vazia, oca e infértil: fala, fala, fala - e, enquanto isso, o artista pensa e realiza, dentro do seu território de liberdade.

Um comentário:

  1. Concordo contigo. Em todos os aspectos do teu texto.
    O encontro com tuas reflexões sempre enriquece o espírito.
    Bjs!

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