Ganhei, do querido amigo Jesus, a Poesia traduzida pelo Drummond. Como nunca esqueci o êxtase de ler Fome, do Knut Hamson, numa tradução drummondiana, estou certa de que este novo livro também vai me trazer ótimas experiências - além de me apresentar a poetas não tão conhecidos. O Paul Éluard, por exemplo - que, embora não seja realmente o que pode se classificar de incógnito (pois foi um dos grandes nomes associados ao Surrealismo francês), até hoje permaneceu distante de minhas leituras. Então, em homenagem à atmosfera daliniana em que me encontro (leia a postagem abaixo), escolhi começar pela leitura dos versos de "Liberté" - que, na tradução do Drummond junto com o Bandeira, recebeu o título de "Um único pensamento". Desfrutemos de um pouco de lirismo neste fim de semana:
Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome
Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome
Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome
Nas jângales, no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Nos ecos da minha infância
Escrevo teu nome
Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome
Em meus farrapos de azul
No taque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome
Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome
Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome
Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome
Nas formas resplandecentes
Nos sinos das setes cores
E na física verdade
Escrevo teu nome
Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças regurgitantes
Escrevo teu nome
Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome
No fruto partido em dois
De meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome
Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome
No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome
Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome
Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome
Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes de meu tédio
Escrevo teu nome
Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome
Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome
E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci para te conhecer
E te chamar
Liberdade
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