Estive lendo recentemente os ótimos contos deste autor polonês, que não conhecia até encontrar uma edição em língua espanhola de El Árbol. Como suspeito de que não existem traduções para o português deste livro, aventuro-me no gesto de eu mesma traduzir alguns destes contos. Escolho os mais curtos e espirituosos, para a diversão de vocês. Eis o primeiro presente de Sławomir Mrożek:
IMMANUEL
– Que é isso? – exclamou o produtor depois de dar uma olhada na primeira página do roteiro – Está de pé e pensa? E por que não de noite?
– Pensa, porque assim começa tudo. E tem que ser de noite, porque ele deve ver as estrelas. No livro está claramente: “O céu estrelado sobre a minha cabeça e a lei moral no fundo do meu coração.”
Tratava-se de uma adaptação cinematográfica da Crítica da razão pura de Immanuel Kant.
– Está de pé! Mas se numa película tem que haver movimento, é você um principiante ou o quê? Que caminhe, ao menos; ou melhor, que corra, sem fôlego, porque talvez alguém o persiga. Isso dá dinamismo e desperta o interesse do espectador. Pode ser de noite, se quiser.
– Mas se corre, não pensa, porque não tem tempo.
O produtor sumiu nos próprios pensamentos, como Kant fizera nos outros tempos.
– Já sei. Mudaremos a situação. Kant está de pé na beira de um bar, com a barba por fazer, porque tem problemas. Vamos ver, vamos ver. Por que usa peruca? Era calvo ou o quê?
– É um filme de época, histórico.
– Você ficou louco? Quer fazer Os três mosqueteiros ou o quê? Vamos transportá-lo para os tempos modernos. Noite, num bar, vários tipos ao redor, compreende? A vida em si.
– Mas o que acontece com as estrelas?
– Muito simples. No bar existe um televisor, precisamente na Guerra das galáxias. Kant está assistindo, ou seja, vê as estrelas.
– E a lei?
– Que lei?
– “A lei moral no fundo do meu coração.” Ele escreveu isso claramente.
– Sem problema. O sheriff entra no bar e Kant sente medo porque não tem a consciência limpa. O melhor será a droga.
Folheou umas quantas páginas do roteiro.
– “Imperativo categórico?” O que é isso? Algo relacionado com o imperalismo? Não estaria mal.
– Não sei, mas me parece que se refere a se estar obrigado a fazer algo.
– Claro que está obrigado a fazer algo. A mudar este roteiro. Aqui Kant diz: “Este é meu imperativo categórico”, imediatamente depois de lhe ter dito que não se casará com ela. Isso não pode ser; está muito frouxo.
– Por que muito frouxo? Mas se ela o interessa.
– Mas o sexo normal já não interessa a ninguém. Kant tem que ser ao menos bissexual. Acrescentaremos um sobrinho.
– Por que um sobrinho?
– Porque será menor de idade. Kant é seu tio e, de quebra, teremos também um incesto. Agora tudo se encaixa: o sobrinho é um drogado, Kant lhe proporciona a droga e por isso tem medo do sheriff.
Terminamos a película em duas semanas. Chamava-se Meu nome é a existência, porque desde o princípio se tratava de uma película intelectual, por isso nos baseamos em Kant. Mas apesar disso tivemos um grande êxito de público. A popularização da cultura começa a valer a pena.
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