Terminei de ler este livro de entrevistas, organizado por Eric Lax, ao longo de mais de três décadas de conversas com Woody Allen. É uma obra apaixonante, que revela um artista incansável, com um raro senso de dimensão das coisas e dos valores devidos (à arte e à própria vida). Selecionei alguns trechos para ilustrar isso:
"À noite, quando vou dormir e encosto a cabeça no travesseiro, ou quando ando pela rua, gosto de ficar pensando em ideias para histórias. Estou sempre pensando em novas tramas. Eu faria qualquer coisa para evitar aquele momento horrível de 'O quê que eu vou fazer agora?'. (...) é nesse intervalo que um escritor pensa em mudar de profissão." (p.38)
"Infelizmente, nós temos de escolher a realidade, mas no fim ela nos esmaga e decepciona. Minha visão da realidade é que ela sempre foi um lugar triste para estar [ele faz uma pausa, solta uma pequena risada], mas é o único lugar onde você consegue comida chinesa." (p.42)
"Sem dúvida, comédia é mais difícil de fazer do que coisa séria. Também não tenho nenhuma dúvida de que a comédia tem menos valor do que a coisa séria. Tem menos impacto, e acho que por uma boa razão. Quando a comédia aborda um problema, ela brinca com ele, mas não resolve. O drama trabalha a questão de um modo emocionalmente mais satisfatório. Não quero parecer brutal, mas existe algo de imaturo, de segunda linha, em termos de satisfação, quando se compara a comédia com o drama. E vai ser sempre assim. A comédia nunca, nunca terá a estatura de A morte do caixeiro-viajante, ou de Um bonde chamado desejo, ou de Longa jornada noite adentro. Nenhuma dessas, nem a melhor delas. Se você pega Escola de escândalo, As rãs, Pigmalião, A mulher do campo, Do mundo nada se leva, Nascida ontem, A primeira página, Tempos modernos, Diabo a quatro, A general - e essas são as melhores de todas -, elas nunca terão o impacto de O sétimo selo, O encouraçado Potemkin e Ouro e maldição, porque na comédia existe alguma coisa menos satisfatória, mesmo sendo mais difícil de fazer. Ao dizer isso, falo só por mim." (p.102)
"Sempre espero que o público vá gostar do filme, mas jamais posso cair na armadilha de fazer algo que não seja exatamente o que eu quero, só para ser apreciado. Melhor não ser apreciado, mas ser bom. Melhor tentar crescer e falhar de maneira humilhante do que jogar no que é certo ou, pior, fazer troca de favores." (p.105)
"Não tenho grande respeito pelas instituições. Realmente acho que o traço mais marcante da existência humana é a desumanidade do homem com o homem. Olhando de longe, se fôssemos observados por gente no espaço, acho que a conclusão seria essa. Não acho que eles ficariam deslumbrados com a nossa arte ou com tudo o que realizamos. Acho que ficariam de certa forma assombrados pela carnificina e pela burrice." (p.122)
"(...) não existe honra que um ser humano possa me dar que signifique alguma coisa para mim. Para mim, receber alguma cosia que tenha significado para mim exigiria um universo diferente. (...) os prêmios são feitos para juntar poeira; eles não mudam a sua vida, não afetam sua saúde de forma positiva, nem a sua longevidade ou a sua felicidade emocional. Os lugares que você quer consertar na sua vida, ou ajudar; o ajuste e o conforto de que você precisa, não são tocados pelas grandes honras do mundo." (pp.162-4)
"(...) o único conselho em que posso pensar é que só o trabalho conta. Não leia a seu respeito, não tenha grandes discussões a respeito de seu trabalho, simplesmente mantenha o nariz enfiado do trabalho. (...) Quanto menos você pensar em si mesmo, melhor. (...) Apenas trabalhe bem, não perca tempo pensando em mais nada, não se junte ao circo do show business, não preste atenção nas distrações que as pessoas lançam na sua direção, e tudo o mais se encaixa no devido lugar. (...) À medida que fico mais velho, a palavra 'legado' sempre aparece, e pessoalmente não estou nem um pouco interessado em legado, porque acredito firmemente que, quando se morre, pôr o seu nome numa rua não ajuda em nada o seu metabolismo - eu vi o que aconteceu com Rembrandt, Platão, e toda essa gente ótima. Eles simplesmente jazem lá. (...) O grande Shakespeare não está nada melhor do que algum vagabundo sem talento que escrevia peças na Inglaterra elisabetana e não conseguia quem produzisse, e quando produziam todo mundo fugia do teatro. Não que eu ache que seja totalmente desprovido de talento, mas não tenho talento suficiente para fazer meu sangue circular depois que o rigor mortis se instalar. Então legado não importa nada mesmo. O melhor jeito de dizer isso foi com a minha piada: 'Em vez de sobreviver nos corações e mentes dos meus semelhantes, prefiro sobreviver no meu apartamento'." (pp.463-4)
"Se o mundo inteiro está celebrando esta música ou aquela peça, você precisa continuar fiel às suas convicções, por mais adversas que sejam. Vai descobrir que não é tão difícil. Se eu gosto de alguma coisa ou de alguém, não me importa a mínima se ninguém mais gosta, e se eu não gosto, não gosto. (...) Não vou mudar o meu estilo ou o meu assunto porque alguém me critica. Não conseguiria, mesmo que quisesse. (...) O trabalho existe independentemente de tudo o que falam a respeito dele. Se a coisa é boa, continua boa apesar de todo o palavrório contra ou a favor. E se não é boa, vai se dissipar, por mais popular que possa parecer no momento." (pp.465-6)
Sou admiradora convicta do Woody Allen. Esses trechos que você escolheu fez eu lembrar que preciso, ainda, adotar esse livro na minha bibliteca :)
ResponderExcluirEspero que quando Woody Allen fale de instituições ele esteja incluindo várias outras fontes de maldade e crueldade humanas. Num sentido mais aberto da palavra: religiões, costumes, tradições, cultura organizacional e tantos outros males que tornam essa vida tão mesquinha. De positivo, fica essa busca desses pedacinhos de cultura no pântano da imbecilidade quase generalizada... Obrigado pelo texto. p.s. Não li tudo pois ainda estou no meio do livro.
ResponderExcluir