Nestes dias chuvosos e melancólicos, eu mergulho na Fenomenologia da percepção, do Merleau-Ponty - e dela recolho alguns trechos memoráveis (as referências são da edição de 2006, da ed. Martins Fontes):
“(...) a fenomenologia não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua ‘facticidade’.” (p.1)
“Retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala, e em relação ao qual toda determinação científica é abstrata, significativa e dependente, como a geografia em relação à paisagem. (...) eu não poderia apreender nenhuma coisa como existente se primeiramente eu não me experimentasse existente no ato de apreendê-la (...) a consciência [é] a condição sem a qual não haveria absolutamente nada, e o ato de ligação [é] como o fundamento do ligado.” (p.4)
“O real deve ser descrito, não construído ou constituído. (...) O real é um tecido sólido, ele não espera nossos juízos para anexar a si os fenômenos mais aberrantes, nem para rejeitar nossas imaginações mais verossímeis. A percepção (...) é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.” (pp.5-6)
“(...) não existe pensamento que abarque todo o nosso pensamento. O filósofo (...) é alguém que perpetuamente começa.” (p.11)
“(...) no final das contas, nós só temos estados de nós mesmos.” (p.13)
“(...) se eu procurasse, através de ‘critérios’, distinguir minhas percepções de meus sonhos, eu deixaria escapar o fenômeno do mundo. (...) o problema é agora (...) o de descrever a percepção do mundo como aquilo que funda para sempre a nossa ideia da verdade. (...) O mundo é aquilo que nós percebemos. (...) O mundo não é o que eu penso, mas aquilo que eu vivo.” (p.13-14)
“Kant mostrou (...) que a percepção interior é impossível sem percepção exterior, que o mundo, enquanto conexão dos fenômenos (...), é o meio para mim de realizar-me como consciência.” (p.15)
“Em um acontecimento considerado de perto, no momento em que é vivido, tudo parece caminhar ao acaso (...). Mas os acasos se compensam e eis que essa poeira de fatos se aglomera, desenha certa maneira de tomar posição a respeito da situação humana, desenha um acontecimento cujos contornos são definidos e do qual se pode falar. (...) Deve-se compreender de todas as maneiras ao mesmo tempo, tudo tem um sentido, nós reencontramos sob todos os aspectos a mesma estrutura de ser. (...) todos os períodos históricos aparecem como manifestações de uma única existência ou episódios de um único drama – do qual não sabemos se tem um desenlace. Porque estamos no mundo, estamos condenados ao sentido, e não podemos fazer nada nem dizer nada que não adquira um nome na história.” (pp.17-8)
“A racionalidade é exatamente proporcional às experiências nas quais ela se revela. Existe racionalidade, quer dizer: as perspectivas se confrontam, as percepções se confirmam, um sentido aparece. (...) a filosofia, assim como a arte, é a realização de uma verdade. (...) A racionalidade não é um problema, não existe detrás dela uma incógnita (...): nós assistimos, a cada instante, a este prodígio da conexão das experiências (...). O mundo e a razão não representam problemas; digamos, se se quiser, que eles são misteriosos, mas este mistério os define, na poderia tratar-se de dissipá-lo por alguma ‘solução’, ele está para aquém das soluções. A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo, e nesse sentido uma história narrada pode significar o mundo com tanta ‘profundidade’ quanto um tratado de filosofia. Nós tomamos em nossas mãos o nosso destino, tornamo-nos responsáveis, pela reflexão, por nossa história, mas também graças a uma decisão em que empenhamos nossa vida, e nos dois casos trata-se de um ato violento que se verifica exercendo-se.” (pp.18-9)
“O vermelho e o verde não são sensações, são sensíveis, e a qualidade não é um elemento da consciência, é uma propriedade do objeto. (...) A análise descobre portanto, em cada qualidade, significações que a habitam.” (p.25)
“Se nós nos puséssemos a ver como coisas os intervalos entre as coisas, [veríamos] verdadeiramente um outro mundo.” (p.39)
Olá Tércia! Leio / estudo Merleau-Ponty há alguns anos e lhe confesso que é......muito difícil o entendimento sem ouvir / discutir pontos com outros "estudiosos". Pergunta: Vc conhece algum Grupo que "discuta" Merleau-Ponty?
ResponderExcluirOlá, Walter
ResponderExcluirO grupo de estudos em semiótica do Ceará (Semioce), do qual eu faço parte, engloba em suas discussões a obra de Merleau-Ponty. O nosso principal, porém, é a semiótica greimasiana.