CRÔNICA
DO RIO
No
caminho de volta para Fortaleza, soube que não tinha aproveitado um décimo do
que a cidade podia oferecer. O tempo escasso cortou minhas programações
impiedosamente, e assim eu deixei o Corcovado, a Academia Brasileira de Letras,
o Theatro Nacional, a Quinta da Boa Vista e o Zoológico para outra vez.
Passeios pela Lapa, por Santa Teresa, Leblon ou Laranjeiras também entraram na
lista futura – mas o pior foi saber que, por um medonho erro de comunicação,
não vi o amigo Silvestre, chegado ao Rio de última hora, para um encontro com
Oscar Niemeyer! Amaldiçoei todas as companhias telefônicas do país e pus-me a
refletir sobre o que, afinal, eu tinha feito nessa primeira estada no Rio de
Janeiro.
Já no voo de ida
começou a aventura, quando uma comissária de bordo sofreu assustadoras crises
de labirintite ao servir as refeições. Mais tarde, eu tentaria compensar aquele
sanduíche com um jantar no Lamas, point intelectual
desde o século XIX. Na categoria de bares históricos, no dia seguinte conferi o
Amarelinho, em frente à Biblioteca Nacional, e reparei que os seus garçons
pareciam todos sofrer de um certo grau de icterícia. Mas nada se compara ao
restaurante A Polonesa (experimente gołąbki ao
som de Chopin e diante de uma foto do Castelo de Wawel) ou à Confeitaria
Colombo (onde devemos saborear profiteroles – a sobremesa favorita de Rui
Barbosa).
Consegui
visitar a Biblioteca e o Museu de Belas Artes, com sua impressionante coleção.
E vi uma peça com Luís Melo, a excelente “Ausência”, no Sesc Ginástico.
Entretanto, para que não digam que só me interesso por comida e arte, confesso
que suspirei diante da paisagem. Posei para fotos em praias, calçadas e morros.
Em Copacabana, encontrei um “artista da areia” prodigioso, embora
excessivamente eclético: ao lado de palmeiras e cristos redentores, ele
esculpia um rosto muito parecido com o de Rubem Fonseca... No Jardim Botânico,
tive os maiores encantos – além das orquídeas e bromélias, vi a exuberante
sumaúma, árvore de Tom Jobim. Bem perto do chafariz, ainda havia o curioso tronco
oco onde D. João VI se escondia, sempre que tinha pesadelos com Napoleão.
Mas
talvez o passeio para Niterói, rumo ao Museu de Arte Contemporânea, tenha sido
o mais intrigante, pela tábua de restrições fixada na balsa. “Proibido cantar e
fazer pregações religiosas” e “proibido jogar pôquer dentro do navio” eram
exemplos do caráter carioca? Preferi achar que não – e também olhei para o
outro lado, ignorando as manchas de óleo na Baía da Guanabara. No último dia de
viagem, eu já não veria muita coisa, literalmente. Um pombo roubou os meus
óculos, no Largo do São Francisco; saiu voando com a armação entre as garras, e
por pouco não fiquei caolha como a estátua de Camões bem pertinho dali, no Real
Gabinete Português de Leitura. Voltei míope e arranhada, mas decidida a retornar.
O Rio de Janeiro merece novos roteiros e emoções, e estarei preparada!
Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)
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