Estou acabando de ler Os enamoramentos, do Javier Marías. Fiz uma pausa nos russos porque não resisti a esse romance do autor que, para mim, é o que há de melhor na prosa em língua espanhola da atualidade. Entretanto, devo dizer que o livro me decepcionou um pouco. Estava acostumada à qualidade de obras como Quando fui mortal, Coração tão branco e Amanhã, na batalha, pensa em mim - histórias que sempre me faziam sair de sua experiência com aquele embevecimento de admiração pelo arranjo, pelas soluções narrativas e, sobretudo, pela capacidade reflexiva. Este último ponto talvez seja o único que permanece íntegro n'Os enamoramentos, e afinal é o que nos faz reconhecer o estilo de Javier Marías, que tem esse hábito de paralisar a ação para fazer incursões digressivas interessantes - no que lembra, às vezes, José Saramago e Villa-Matas (embora este tenha certa desvantagem estética). No restante, porém, o romance não me convence. Tive a sensação de que o início, quando a protagonista se apresenta como funcionária de uma editora e passa a descrever os autores como caricaturas maníacas, nada mais é do que uma espécie de vingança ou recado do escritor para os seus pares. Não que eles não mereçam a crítica, mas achei que ela entrou de maneira forçada, no livro. Além disso, existe o grave problema de que as vozes da narrativa são todas iguais; personagens os mais diversos caem em reflexões idênticas, usando as mesmas palavras, inclusive. Essa "preguiça" de especificar os temperamentos das figuras literárias acaba explicitando demais o próprio autor, e talvez não por acaso um dos personagens se chame Javier, e a protagonista, Maria. Conhecendo os outros livros deste espanhol, sei que a presença autobiográfica faz parte de seus enredos (e isso, aliás, nunca foi um defeito). Mas a monofonia desse romance não me parece uma estratégia e, sim, uma carência.
Ainda tenho por ler, em minhas estantes, a trilogia Teu rosto amanhã. Espero que ela me resgate um antigo Javier Marías, mais cuidadoso com suas estruturas literárias.
Tércia, compartilho com você essas identificações de supostas fragilidades em Os Enamoramentos, ou, antes, compartilhava à medida que avançava na leitura desse romance. Fiz duas resenhas sobre Marías em meu blog, inclusive de Seu Rosto Amanhã (que te resgatará, com certeza), e há dias tento escrever uma para Enamoramentos mas me vejo empacado. Isso porque, aos poucos, me dou conta que este é mais um prodígio do espanhol, sendo carregado de interpretações sutis que vão desde o mal, a perda de significados concretos do amor na sociedade moderna (daí esse léxico estranho do título, que revela frieza, distanciamento; um quase neologismo para descrever a paixão desproteinada que admite a morte como aquisição de um fetiche vazio). Acho mesmo que este é um dos grandes livros de Marías, no qual ele mostrou perfeito domínio da personagem, da voz feminina. Me fez lembrar dos principais livros de Conrad, daí a evidente monotonia dos monólgos da obra, com fins voluntários de acentuar através da monocromia a ausência de grandes sentimentos da sociedade atual. Aliás, a crítica maior aos escritores vai de encontro ao próprio Marías, quando fala sobre a excentricidade dos autores que ainda escrevem em máquinas datilográficas, etc.
ResponderExcluirSua resenha foi muito instrutiva, e é um prazer ler sobre Marías.
Forte abraço.