LIVROS E BICHOS
Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.
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terça-feira, 13 de novembro de 2012
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Os músicos de Denver
OS
MÚSICOS DE DENVER
Na sequência da viagem ao
México, arrisquei-me pelos Estados Unidos somente para pisar em Denver, terra
dos beats.
Mas o grande motivo não era palmilhar trilhas de artistas boêmios e
santificados pelo delírio aventureiro, como Kerouac. Eu pesquisara sobre um
local esquisito, chamado The cage’s sounds, uma espécie de
viveiro para aves adestradas, que ali interpretam artistas famosos. Cada
pássaro imita um instrumento, conforme sua predisposição natural. Um deles, por
exemplo, garante o som de trompete ao estilo de Andy Diagram, da clássica banda
dos anos 80 The Pale Fontains. Há ainda guitarras idênticas às de Blixa
Bargeld, do The Bad Seeds, além do baixo pulsante de Sooyoung Park, da Bitch
Magnet, e piano igual ao de Keith Jarrett. Tudo isso em Denver, cidade
mágica para os bichos musicais, quase como aquela outra, Bremen, da fábula
milenar...
Com tanta propaganda, eu
e o amado consideramos aquela atração irresistível. Chegamos bem cedo; The
cage’s sounds mal havia
começado a formar uma fila de espectadores diante da sala onde aconteciam as
audições. O programa do dia anunciava um pássaro que imitaria o vocal sibilante
de Jónsi, do Sigur Rós, por dez minutos, e em seguida um outro, disposto a
fazer o som do baterista John Ribombayne, da banda Baú Metálico, por quinze
minutos.
O sol estava a pino, e
certamente iríamos esperar um bocado na fila, contando com o horário previsto e
os naturais atrasos dos “artistas”. Aliás, eu começava a pensar nos detalhes
daquele show – como seria convencer os pássaros a iniciar uma canção? Será que
havia maestros dando a “deixa”, ou músicos humanos acompanhando o
instrumentista principal? Sobretudo, eu me preocupava com o método de
adestramento, inegavelmente torturante, com um bicho condenado a ouvir milhares
de vezes certa música, até conseguir cantá-la. E quando ele errava, ou esquecia
uma parte – o que o seu treinador fazia? Eu repassava mentalmente relatos de
Skinner e Pavlov, sob o calor escaldante. Enquanto isso, dúzias de crianças
corriam ou plantavam bananeira nas imediações; elas prometiam um público
inquieto, entrando na sala junto com seus pais, aquelas duplas de americanos
rosados, suando em bagas, sob chapéus e bonés.
Imaginei que era o
efeito de uma desidratação alucinante, quando ouvi o amado dizer: “Vamos
embora”. Afinal, era ele o principal interessado naquele espetáculo de homenagem
musical; ele colecionava os
vinis, pôsteres e versões de todos aqueles artistas, tocadas em aparelhos de
som sensibilíssimos... Se havia alguém capaz de ouvir os pássaros e julgá-los
em sua fidelidade sonora, era ele – e, de repente, estava desistindo? Por qual
motivo? Achei que fosse ouvir algo sobre o calor ou o tempo de espera, mas o
amado apontou um detalhe no programa musical. Ali estava a informação de que Ribombayne
era inglês, e não irlandês, conforme fiquei sabendo. Um erro desse tipo punha
tudo em descrédito – e assim deixamos Denver e seus pássaros, numa frustração
de turistas que atravessam um deserto.
Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também no respectivo site.)
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Babette
Amigos, se puderem, leiam minha crônica publicada hoje, no jornal O Povo. Está disponível também no site http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/12/07/noticiaopiniaojornal,2350781/babette.shtml
BABETTE
Dentre todos os que tiveram influência sobre meus hábitos vegetarianos, ninguém foi mais importante que Babette. Seu nome, retirado de um filme, evoca a visão de banquetes, ágapes infinitos e suculentos. Não à toa: eu realmente encontrei Babette numa festa assim.
Anos atrás, eu alternava minhas incursões no magistério com trabalhos fotográficos em aniversários, casamentos ou formaturas. Desde que houvesse bom tempo, lá estava eu, com minha câmera. A ocasião a que me refiro era especialmente chique, cheia de mulheres com penteados escorridos. Eu já havia banhado com flash todos os sorrisos artificiais presentes e me dava ao luxo de descansar um pouco, enquanto serviam o jantar. Foi então que, para meu horror, percebi qual era o prato principal: um pato inteirinho, com todas as penas, completamente íntegro. Tinham feito algum trabalho estético para que ele brilhasse num azul-turquesa, que era a exata cor das toalhas das mesas. E ali, cada grupo de convidados recebia a sua porção – ou melhor, o seu pato, numa travessa. Reparei que os exemplares deviam ser ainda filhotes, pelo tamanho, e estavam dispostos numa pose congelada, como se arrumados por um taxidermista. Diante dos meus olhos mudos de pânico, o garçom colocou um dos bichos e acrescentou um prato vazio, com talheres.
Nenhum dos convidados estranhava a refeição; ao contrário, todos espetavam suas aves e gargalhavam, ao trinchá-las por entre penas azuis. Faltavam alguns minutos para eu fosse liberada do evento, e decidi mergulhar a vista na câmera, repassando as imagens gravadas na memória da máquina. Era difícil distrair-me, e eu tinha vontade de fugir e nunca mais entregar as fotos daquela gente sórdida. No entanto, veio a ideia de fotografar o pato servido à minha frente, para o caso de uma posterior denúncia. Foi quando percebi um tique, um movimento mínimo, da criatura turquesa que despertava.
O pato parecia embriagado; se não chegou a ser cozido, pelo menos tinha sofrido alguma pancada. Em segundos, porém, agitava as asinhas, querendo descer da travessa. Com o coração saltando, impedi que o bicho se estatelasse da mesa ou fosse visto por um garçom. Peguei-o – e fiquei atarantada. Se o levasse ao banheiro para lavá-lo da tinta, certamente encontraria várias dondocas fofocando. Poderia convencê-las de que carregar um pato numa mão e uma câmera na outra fazia um estilo cult – mas não estava disposta a palhaçadas. Resolvi escapar da festa na mesma hora.
Em casa, a presença da ave agitou meus gatos, mas consegui tranquilizar todo mundo depois que o pato – já limpo e alimentado – foi trancado para dormir num banheiro. Na manhã seguinte veio o batismo: o pato era fêmea, e tinha me presenteado com um ovo, talvez o seu primeiro.
Uma semana depois, deixei Babette no Eusébio, na fazenda de um amigo que cria patos pelo prazer de vê-los nadar no espelho d’água. Ela foi bem recebida e virou uma pata praticamente igual às outras, mas eu conseguia distingui-la por certa sombra azulada, que nunca se despregou totalmente de suas penas.
Babette fez com que eu nunca mais comesse aves. Ah, e fez também com que eu não entregasse as fotos daquele evento...
Tércia Montenegro (escritora, fotógrafa e professora da UFC)
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Fotos do Felipe
O Felipe Abud é o melhor fotógrafo de gatos que eu conheço - embora o conheça de fato indiretamente, através da amiga Carmélia, que sempre me manda as imagens lindas que ele faz. Vale a pena homenageá-lo!
sexta-feira, 25 de junho de 2010
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Para não dizerem que não falei de cães
Para não dizerem que a exclusividade deste blog é dos gatos (além da breve aparição de uma papagaia), lembro que os cães também são bichos maravilhosos. Seu único defeito é serem submissos ao animal humano, que tantas vezes deixa de merecer essa entrega amorosa. Também tive os meus cães queridos, que hoje me acompanham na memória: o agitado Ralf, o puríssimo Tob e a tão doce Tulipa... Ainda tive a sorte de conhecer afetos caninos passageiros, em viagens. Nestas fotos, recordos dois deles: a simpática cadela Clarissa, guia do mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Portugal, e o fofinho branco, mascote do meu amigo Moacyr (tão desaparecido! Por onde andará?), meu anfitrião em Sampa, anos atrás.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
A loura
terça-feira, 27 de abril de 2010
Um poema de Wislawa Szymborska
Um não acabar mais
Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.
Outros antepassados
poderiam, afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
sairia voando,
de debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.
No guarda-roupa da Natureza
há trajes de sobra:
o traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um assenta de imediato que nem uma luva
e usa-se obedientemente
até se gastar por completo.
Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, do enxame zuninte,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.
Alguém muito menos feliz,
criado para dar a pele,
para a mesa festiva,
ou algo que nadasse sob a lente.
Uma árvore presa à terra,
da qual o fogo se aproximasse.
Um mero cisco esmagado
pela marcha dos acontecimentos inconcebíveis.
Um indivíduo nascido sob a estrela ruim
que para outros seria boa.
E o que seria se despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?
Se não tivesse nascido
na tribo certa
e todos os caminhos se me fechassem?
Até agora, a sorte
mostrou-se-me favorável.
Poderia não ter-me sido dada
a recordação dos bons instantes.
Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.
Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração,
quer dizer - alguém completamente diferente.
Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.
Outros antepassados
poderiam, afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
sairia voando,
de debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.
No guarda-roupa da Natureza
há trajes de sobra:
o traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um assenta de imediato que nem uma luva
e usa-se obedientemente
até se gastar por completo.
Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, do enxame zuninte,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.
Alguém muito menos feliz,
criado para dar a pele,
para a mesa festiva,
ou algo que nadasse sob a lente.
Uma árvore presa à terra,
da qual o fogo se aproximasse.
Um mero cisco esmagado
pela marcha dos acontecimentos inconcebíveis.
Um indivíduo nascido sob a estrela ruim
que para outros seria boa.
E o que seria se despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?
Se não tivesse nascido
na tribo certa
e todos os caminhos se me fechassem?
Até agora, a sorte
mostrou-se-me favorável.
Poderia não ter-me sido dada
a recordação dos bons instantes.
Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.
Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração,
quer dizer - alguém completamente diferente.
domingo, 14 de março de 2010
Música!
Já me conformei com o fato de ser uma pessoa extremamente visual - o que, em contrapartida, me faz pouco sensível às sonoridades. Não que eu despreze boa música (quem o faria?), mas sou capaz de passar dias ou semanas sem tomar a iniciativa de "parar para ouvir uma canção". Em geral, o silêncio me satisfaz e tranquiliza tanto quanto uma boa melodia.
Os hábitos, porém, são feitos para serem quebrados de vez em quando. De maneira que, nos últimos tempos, tenho me forçado a integrar mais música em meu cotidiano. Não do modo como integro a leitura, a fotografia ou a pintura, claro (a música sempre ficará em segundo plano). Mas faço um esforço no sentido de recordar o quanto de belo existe nessa arte.
Como impulso puxa impulso, mal formulei meu desejo interior, já as energias foram postas em ação. Uma reunião no grupo de pesquisa da fac foi o ponto de partida: a musicóloga Érica lançou o fascínio do modo mixolídio numa canção do Chico César: Beradeiro. O erudito, pelo que remonta aos clássicos criadores de tudo, e o popular, pelo revivido sempre em nosso interior nordestino (e por falar nisso, ai que saudades do Cariri!!).
A parte dois do impulso veio com o convite, via plataforma Sócrates, para ver O homem que engarrafava nuvens, um filme que eu queria já faz tempo conferir. Gostei. E fiquei lembrando as magias de Humberto e Luiz.
Não há jeito: minha raiz cearense pulsa, apesar de eu ter nascido em capital. É um desgosto que tenho, não ter meu lado B, meu chão escondido, com casinha de parentes a visitar nas férias, num tempo de passeio a pé, homem e bicho lado a lado, na casa e no trabalho. Sinto falta desse ritmo-baião, que logo me transporta para cenas rurais, visual que sou. E sinto falta dos ruídos da mata, dos besouros, do galo de manhãzinha, e do fru-fru na areia que faz um cão, ao se espojar na terra. Essas, para mim, são melodias de afeto, algo que desde pequena eu quis cultivar e nunca pude. O velho sonho de morar numa fazenda cheia de bichos e livros - talvez um dia, quem sabe, eu ainda o realize...
Os hábitos, porém, são feitos para serem quebrados de vez em quando. De maneira que, nos últimos tempos, tenho me forçado a integrar mais música em meu cotidiano. Não do modo como integro a leitura, a fotografia ou a pintura, claro (a música sempre ficará em segundo plano). Mas faço um esforço no sentido de recordar o quanto de belo existe nessa arte.
Como impulso puxa impulso, mal formulei meu desejo interior, já as energias foram postas em ação. Uma reunião no grupo de pesquisa da fac foi o ponto de partida: a musicóloga Érica lançou o fascínio do modo mixolídio numa canção do Chico César: Beradeiro. O erudito, pelo que remonta aos clássicos criadores de tudo, e o popular, pelo revivido sempre em nosso interior nordestino (e por falar nisso, ai que saudades do Cariri!!).
A parte dois do impulso veio com o convite, via plataforma Sócrates, para ver O homem que engarrafava nuvens, um filme que eu queria já faz tempo conferir. Gostei. E fiquei lembrando as magias de Humberto e Luiz.
Não há jeito: minha raiz cearense pulsa, apesar de eu ter nascido em capital. É um desgosto que tenho, não ter meu lado B, meu chão escondido, com casinha de parentes a visitar nas férias, num tempo de passeio a pé, homem e bicho lado a lado, na casa e no trabalho. Sinto falta desse ritmo-baião, que logo me transporta para cenas rurais, visual que sou. E sinto falta dos ruídos da mata, dos besouros, do galo de manhãzinha, e do fru-fru na areia que faz um cão, ao se espojar na terra. Essas, para mim, são melodias de afeto, algo que desde pequena eu quis cultivar e nunca pude. O velho sonho de morar numa fazenda cheia de bichos e livros - talvez um dia, quem sabe, eu ainda o realize...
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