LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Herta e Andrei



Após ler A morte de um estranho, fiquei com a sensação de familiaridade ligando este autor ucraniano, Andrei Kurkov, à escritora romena Herta Müller. É claro que Herta foi uma revelação arrepiante para mim (e ainda estou "economizando" os livros dela, que comprei recentemente), ao passo que Kurkov é tão simples, e parece tão fácil, e até mesmo pouco inspirado, em termos de imagens literárias! Não desmereço seu texto; inclusive, já vou encomendar outro romance seu, Piquenique no gelo. Apenas prefiro a estranheza e abundância sensorial da Herta.
O que, então, me fez pensar em proximidade entre os dois? Talvez a questão política? É possível. Ambos escrevem sob (e sobre) uma atmosfera de perseguição, vigilância - e este é um tema que me toca ao extremo. Mas Herta é expressionista, e Kurkov traz um sabor de nouveau roman, com seus pequenos acontecimentos, seu gosto pelo anticlímax (embora o final de A morte... seja perfeito e refrescante!). E há a impressão de que os personagens, apesar de subjugados pela ditadura (cada qual em seu contexto), vivem numa incrível liberdade interior. Essa liberdade às vezes parece apática, às vezes infantil e insana, num tipo de não-pensamento ou alienação - mas assim mesmo é uma liberdade, um ato de rebeldia.
Esse veio temático tem uma força magnética sobre mim, principalmente quando penso que, ao final, todos vivemos sob algum tipo de coerção. Quando se instaura um elemento político nesse sentido, ele parece evidente; entretanto, se estamos numa aparente "abertura" de ideias e comportamentos, as opressões se tornam mascaradas, difíceis de serem percebidas. No entanto, elas estão sempre lá, na forma de uma expectativa social, de uma obrigatoriedade qualquer, de um compromisso imposto sabe-se lá por quem ou por qual ideologia... E por que somos impelidos a seguir essas regras?
É sempre bom refletir sobre os limites, para ver se vale a pena ultrapassá-los. Não é rebeldia pela rebeldia - que fique bem claro. É mais aquilo que certa vez ouvi Eugenio Barba dizer: "Eu escolhi a ficção". A ficção é sempre livre e, em certa medida, fora do normal.

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